35. Munganga

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Quando cheguei na cafeteria, corri para a sala dos funcionários para me recompor e Ulisses e Suzy vieram atrás de mim. Suzy me abraçou, Ulisses nos abraçou e eu só me deixei ser consolada.

— O que ele disse? — perguntou Suzy.

— Que não tava muito bem...

— Eu deveria ter batido mais nele — disse Ulisses, nos apertando mais forte.

— Amiga, vai passar. Você vai ficar bem — afirmou Suzy.

— Eu vou — falei, me afastando do abraço deles. — Se vocês me verem interessada em algum macho de novo, me lembrem da minha promessa de nunca mais me apaixonar.

— Deixa com a gente — concordou Suzy. — Agora vem, você precisa de um café.

Fomos as duas para o balcão e Suzy pegou o pacote com os grãos de café.

— Eu posso fazer? — perguntei, apontando para o café.

— Claro! Nunca fez café?

— Não nesse monstro aí — respondi, apontando para a máquina. — Eu faço em casa o coado todos os dias, aquele que tu me ensinou.

— Ah, então vem aqui! Vou te ensinar a fazer o melhor cappuccino italiano da sua vida.

— Cappuccino não é só café com leite, não? — brinquei, obtendo em resposta um olhar estreito de Suzy.

— Me respeita, garota! — respondeu em tom de gracejo. — Mas é isso mesmo. Leite, café expresso e a espuma do leite, mas o nosso vai ter direito a chocolate belga.

— Hmmm... Tô precisando.

— Já vai voar de novo, é? — perguntou Laura.

— Não vem, não, visse? Diabo Louro!

— Hahaha... Diabo Louro? Que que é isso? — perguntou Suzy.

— É uma música de Alceu Valença, um artista lá da minha terra, mas ele deve ter feito em homenagem a tua colega aí — falei, apontando para Laura.

— Olha aqui, garota. Se eu fosse você, eu ficaria pianinho. Eu tô sabendo de tudo já — disse Laura, com um dedo apontado em minha direção.

— Que história é essa? — perguntou Suzy para mim.

— É, enquanto eu tava tendo uma conversa particular lá fora, o urubu aí ficou arrodeando atrás da carniça, mas só tinha um filezinho — respondi, apontando para Laura. — Falando em filezinho, sabe o que Pierre disse pra tua colega aí? — perguntei para Suzy em tom de deboche.

— Aproveita, garota. Ria bastante enquanto pode. Seus dias aqui tão, ó... contadinhos — ameaçou Laura enquanto marchava para o outro lado do salão, com o queixo erguido.

— E o que é que ela tá sabendo? — perguntou Suzy.

— A mesma coisa que eu te falei agora. Deixa, ela tá blefando, essa jararaca!

— Vamo voltar aqui pra sua aula de cappuccino.

Suzy me ensinou coisas que ela julgava básicas, como pesar e moer os grãos, mas para mim era tudo novidade. Eu nunca — antes de trabalhar em uma cafeteria — imaginei que fazer café fosse uma arte, muito menos que fosse tão delicioso saborear diferentes tipos de cafés.

— O cappuccino é feito com mais ou menos um terço da xícara de expresso, mais um terço de leite e o último terço é da espuma — explicou ela, entregando para mim a xícara.

Eu fiz um cappuccino, com direito a chocolate belga em pó, e até mesmo desenhei um coraçãozinho com o leite vaporizado.

— Uau! — exclamou Ulisses, chegando onde estávamos e olhando por cima do meu ombro. — Com direito a latte art. Eu vou querer um desse.

— Latte art? — perguntou Suzy. — Eu não ensinei isso a ela. Onde cê aprendeu, amiga?

— Vendo tu fazer. Tu sempre faz umas mugangas nos teus cafés — respondi, rindo.

— Muganga? — perguntou Ulisses.

— Muganga é tipo careta, mas serve pra enfeite também.

— Eu quero meu cappuccino com muganga — pediu Ulisses.

— Eu também vou querer com muganga.

Preparei mais dois cappuccinos; no de Ulisses, desenhei uma plantinha e, no de Suzy, desenhei pequenas florezinhas meio tortas, mas ela pareceu gostar do mesmo jeito. Encostamo-nos os três na bancada, tomando nossos cappuccinos italianos. O meu estava um pouco frio, mas a essa altura do vício, eu não me importava mais com isso.

— Meu... Que delícia! Faz tempo que não tomo um cappuccino com chocolate — elogiou Ulisses.

— Nossa, Lis! Tá muito bom. Tô com medo de perder meu emprego pra você. Ainda mais com o chefe aprovando.

— Vai, minha gente, sério! Tá bom mesmo?

— Tá maravilhoso! Suzy, arrume suas coisas, você tá demitida — caçoou Ulisses.

— Ulisses! A gente tá precisando de ajuda aqui no atendimento — disse Laura.

— Tem certeza? Pra mim tá parecendo tranquilo — respondeu Ulisses.

— Não, é sério... Tá muito agitado aqui hoje! — insistiu ela.

— Cara... Eu tô achando que você que deve tá muito agitada hoje... Naquela hora mesmo que você me chamou, eu achava que aqui dentro tava pegando fogo e não tinha nada de mais acontecendo. Faz o seguinte... Cê não quer tomar um cappuccino pra relaxar?

Laura olhou para mim, eu abri um sorriso para ela e disse:

— É, amiga, eu faço um cappuccino delicioso pra tu. O Ulisses mesmo adorou, né, chefe?

— Não, obrigada. Eu não fico tomando café no horário de trabalho, não.

— Pois você deveria provar o cappuccino da Lis — falou Ulisses. — Você realmente leva jeito pra coisa, hein? — completou, se virando para mim.

— Garota, você daria uma boa barista — afirmou Suzy, dando mais um gole em seu cappuccino.

— Verdade, e a SB Koffee valoriza muito o crescimento dos funcionários — completou Ulisses.

— Minha gente, eu bem que queria, mas e eu lá posso? Eu tenho uma filha pra sustentar, ajudo nas contas de casa... Além da falta de dinheiro, tem a falta de tempo também — expliquei, esvaziando o conteúdo da minha xícara.

— Ah, amiga, eu te entendo. No futuro, quem sabe você não faz? Cê leva jeito.

— Um dia eu faço. Enquanto isso, tu vai me ensinando.

— Eu posso tentar uma bolsa pra você — sugeriu Ulisses, pondo a xícara vazia sobre o balcão, e Laura ficou vermelha como um tomate.

— Uma bolsa? — perguntei, arregalando os olhos. — De quantos por cento?

— De cem por cento.

— É verdade! — exclamou Suzy, sorrindo. — A SB Koffee investe muito nos funcionários, acho que não é difícil Ulisses conseguir uma bolsa pra você.

— Você realmente quer fazer o curso? — ele perguntou, pondo as mãos no bolso.

— Eu iria adorar! — respondi, batendo palmas e dando pulinhos de alegria.

— Então eu vou tentar, sim. É bom ver você sorrindo de novo — disse Ulisses enquanto Laura saía em direção à sala dos funcionários.

— Ah, é verdade! É bom demais te ver sorrindo de novo, Lis — concordou Suzy.

— Ai, gente, brigada. Mas vocês acham que eu dou conta? Sei lá... Faz tanto tempo que não estudo, acho que desde o ensino médio.

— Claro que dá conta. Ninguém nasce sabendo e você também pode aprender. Além de quê, eu vou estar bem aqui pra te ajudar — falou Suzy.

Apesar do momento doloroso com Pierre, aquele cappuccino junto com Ulisses e Suzy aqueceu meu coração. Eu não estava sozinha.

Fé, Lis! Um Romance Quase ClichêOnde histórias criam vida. Descubra agora