26. Coco Seco

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— Meu amor! — Soltei o ar, sentindo minha cabeça pulsar de tanta dor e preocupação.

— Tu tá aperreada, é, mainha? Tu chega quando? Eu tô com painho aqui em casa.

Eu abri um sorriso de alívio. Ela estava bem.

— Tô indo pra casa agora. Eu te amo, viu, minha pretinha?

— Também. Quer falar com painho?

— Quero! — rugi.

— Ih, painho, tu tá é lascado!

Ouvi Fábio rindo ao telefone quando o pegou.

— Tá rindo de quê, trepeça? — perguntei, revoltada com a cara de pau do sequestrador da minha filha de pegar no telefone dando risada enquanto estava aqui me esvaindo.

— Maria Flor aqui dizendo que eu tô lascado. — Ele riu novamente, fazendo meu sangue ferver. — Essa pirraia é uma resenha!

— Resenha eu vou fazer é no meio da sua fuça quando eu chegar aí! Como é que tu desaparece com a minha filha, Fábio? — vociferei.

— Êpa! Pera lá. Fui levar a minha filha pra passear com o pai dela.

— E tu pega a menina e desaparece sem nem me avisar, é, estrupício!

— Oxen... Pra tu ver como é bom! Quer dizer que tu faz e tá certa, mas quando sou eu, tô errado? Lindo isso pra sua cara!

— A tua cara vai ficar linda quando eu rasgar ela todinha com as minhas unhas.

— Tu devia era achar bom eu não ter levado ela de vez!

— Nem invente! Eu tô já chegando e tu fique aí que eu quero ter uma conversinha contigo!

— Oxente... É minha mãe agora, é? — desdenhou.

— Olha, Fábio, se tu arredar um pé dessa casa, eu vou atrás de tu no quinto dos infernos, com uma viatura pra te levar preso!

Ele desligou o telefone na minha cara. Olhei para Ulisses, apontando para frente, e disse:

— Mete o pé que a gente tem que pegar ele é agora!

Ulisses esbugalhou os olhos e fez o pneu cantar.

Quando abri a porta de casa, Flor correu para Ulisses e se pendurou no pescoço dele.

— Titio Lilica!!!

— Oi, Flor Rambeau! Como cê tá? — ele perguntou, beijando o topo da cabecinha dela.

— Eu tenho péssimas notícias...

Meu coração acelerou. Estava quase pedindo para Ulisses me levar para um hospital quando Flor disse em um sussurro:

— Painho tá aqui.

— Eu sei, eu o conheci.

— O negócio é que ele também é namorado da minha mãe.

— Ah! — Ulisses sorriu enquanto ainda se recompunha da nossa jornada. — Então, ele é um príncipe matador de dragões?

— Eu não sei mais é de nada! Quando eu falei isso, tia Margarida disse que painho tá mais pra o dragão que cospe fumaça, só que de cigarro.

Ulisses soltou uma gargalhada alta e eu abri meu próprio sorriso, que sumiu assim que vi Fábio. Pisei duro na direção daquele desgraçado e esbofeteei a cara dele.

— Flor de Lis! Na frente da menina, rapaz! — exclamou minha mãe enquanto Florzinha começava a chorar.

— É, Lis — concordou tia Margarida. — Vai lá fora com ele e acaba com a raça desse safado!

— Olhe... Eu tô aqui quieto e em nenhum momento eu faltei respeito com a senhora. Até porque eu tenho a maior consideração por dona Rosa — disse Fábio para minha tia enquanto massageava a marca da minha mão estampada em seu rosto.

— Consideração?! E tu tem consideração com ninguém, murrinha! — gritei.

— Tô vendo que eu devia mesmo era ter levado ela de vez, nessa merda!

Parti para cima de Fábio e ele me segurou pelos ombros, sem conseguir desviar dos socos que eu desferi contra seu rosto.

— Eu vou lascar no meio isso que tu chama de cabeça, que nem um coco seco. Só assim eu separo as quengas de uma vez!

— Como assim? — perguntou Ulisses para minha mãe.

— Quenga é a casca do coco — explicou ela.

— Sei não... Eu acho que ela tá falando é das raparigas mesmo — disse tia Margarida.

Em meio à algazarra que tomava conta da sala, ouvi um grito que partiu meu coração. Olhei para baixo e vi Flor agarrada com um de seus braços na minha perna esquerda e seu outro braço na perna direita do pai, gritando, com lágrimas jorrando de seus olhos:

— Para de brigar! Para de brigar!

— Vocês não estão ouvindo a menina, não? — reclamou minha mãe, pegando Flor em seus braços. —Tenham vergonha, vocês dois!

Corri até Flor e a puxei para meus braços, Fábio estava ao meu lado.

— A gente parou, meu amor. Desculpa! A gente parou — falei.

Flor passou os bracinhos em volta do meu pescoço e Fábio nos abraçou. Senti o cheiro horrível do perfume barato dele misturado com cigarro.

— Eu pensava que eu ia voltar a ter mãe e pai e que a gente ia junto pro dia dos pais lá na minha escola.

Nesse momento, Fábio e eu baixamos nossas cabeças. Na mente da minha filha, agora que o pai dela também estava na cidade, as coisas iriam voltar a ser como antes.

Nesse momento, Ulisses cochichou no ouvido de tia Margarida.

— Eita, Flor, vamo tomar sorvete com tio Ulisses? — chamou tia Margarida.

— Quero... não... — respondeu Maria Flor entre soluços.

— Por quê? — perguntei.

— Porque quando eu voltar, painho não vai tá mais aqui... e vocês vão tá de mal...

— Ou, meu amor... Painho e mainha vão só conversar.

— Vocês prometem?

— A gente promete, meu amor — concordamos Fábio e eu.

— E vocês também prometem que... quando eu voltar... painho vai tá aqui?

— A gente promete — respondemos os dois mais uma vez.

— Painho vai tá aqui pra se despedir de tu, Maria Flor — confirmou Fábio.

— Eba! — comemorou Flor, dando uma mão para tia Margarida e a outra para Ulisses. — Eu vai poder tomar um cascão bem grandão de biscoito? Com cobertura de morango? E botar jujuba? E granulado de brigadeiro? E paçoca?

— Claro! A gente vai pegar tudo o que tiver na sorveteria de Wakanda — respondeu Ulisses.

— Eba!

Quando os três saíram, minha mãe se sentou no meio da sala e disse:

— Pois eu vou ficar bem aqui, de olho em vocês. Os dois tão feito dois meninos amarelos.

— Mas a senhora viu que foi ele que começou, mainha.

— Eu mesmo não — defendeu se Fábio.

— Mas será o benedito um negócio desse? — reclamou minha mãe. — Vocês já tão que nem pirraia de novo? Chega eu tava estranhando vocês dois concordando na paz de Deus.

Pelo visto, se eu quisesse ser uma boa mãe e ainda por cima uma boa filha, eu teria que me entender com aquela trepeça. Na minha cabeça só passava uma coisa: depois disso tudinho, se Ulisses não me trouxesse sorvete, eu iria quebrar a cara dele, e ai dele se o sorvete derretesse.

Fé, Lis! Um Romance Quase ClichêOnde histórias criam vida. Descubra agora