43. Cupcake de Morango

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Meu curso de barista estava acontecendo à tarde, eu tinha aula de segunda a sexta. De primeira, eu pensei em não aceitar, pois seria um tempo trabalhando apenas pela manhã, mas Ulisses garantiu que não seria problema. Ele daria um jeito e realmente deu. Quando o fluxo aumentava na minha ausência, ele entrava para o atendimento.

Saber disso me deixava grata, mas também incomodada. Eu não via a hora de terminar o curso e voltar para o trabalho, pois não aguentava mais as gracinhas de Laura. Principalmente hoje, que Ulisses não estava presente. Como de costume, ele a deixava no comando e ela mostrava quem realmente era na ausência dele.

— Trabalha bastante pra compensar a tarde toda que você passa fora.

Lá vem essa quenga safada!

— Tu devia arrumar um jeito de compensar o tempo que tu passa se metendo na vida dos outros — revidei, limpando a mesa.

— Não sei de quem foi a ideia imbecil de que você seria uma boa barista. Você não presta nem pra servir às mesas.

— A ideia de jerico foi do teu boy e a bolsa pra eu estudar também. Esquecesse foi?

— O quê? — ela perguntou, estarrecida. — Desde que eu entrei pra essa empresa, eles nunca fizeram nada por mim! Mas você acabou de chegar, não trabalha, só vive bagunçando tudo e eles ainda te dão curso e tudo mais!... Aí é quando eu digo que vocês vêm de lá do quinto dos infernos pra tomar os trabalhos da gente, aí dizem que eu tô errada.

— Eu não sei é o que essa empresa vê em tu pra te manter aqui esse tempo todo ainda. Tu já disse, murrinha, que quer ser barista?

— Barista? Eu vou ser a gerente dessa merda! E você pensa que eu já não sei que você quer passar por cima de mim pra conseguir isso. Eu conheço seu tipo, garota!

— Eu esperava mais de tu, trepeça! Gerente desse buraco aqui? Mulher... Te benze! Pense mais alto!

— Então você não quer ser gerente daqui? — perguntou, parecendo confusa.

— Eu mesma não! Eu vou ter a minha própria cafeteria.

— Ah, mas isso explica muita coisa!... Você deve é estar chupando o pau de algum grandão da SB Koffee pra ter sua própria franquia, né? Sua vagabunda! Se brincar, deve tá é dando pro comitê inteiro.

— Peraí... Então quer dizer que... esse seu namoro com Ulisses...

— Olha aqui, você não vai puxar o meu tapete, porque se eu cair, eu levo você junto! — ameaçou, avançando na minha direção, e naquele momento eu tive admiração por Laura, porque era muita coragem vir pra cima de mim.

Logo eu, o terror da minha rua quando era criança!

Foi quando ouvimos o sino da porta soar e vimos Pierre entrar na cafeteria. Meu coração quase saiu pela boca. Nesse momento, Laura fingiu estar tirando alguma coisa do meu cabelo.

— Pronto, querida, acho que agora já saiu — disse em um tom doce, olhando para mim com olhar angelical e, eu tinha quase certeza, com uma auréola brilhante sobre sua cabeça.

— Tira a pata de mim, chupa cabra!

— Ora, se não é o nosso cliente VIP... — falou Laura para Pierre. — O de sempre, um expresso duplo acompanhado de cupcake?

— De preferência, pela atendente de sempre por gentileza — respondeu Pierre, apontando para mim.

— Pois não. Como quiser, senhor. Se precisar de qualquer coisa, é só chamar que estou à sua disposição — disse, se afastando de nós.

— Pierre, me desculpa por tudo que eu falei naquele dia. Eu não tinha a menor ideia do que eu tava fazendo. Tu me perdoa?

— O que fez você mudar de opinião?

— Eu conversei com a psicóloga de Flor e ela me explicou melhor.

— Só se você aceitar me dar mais uma chance — falou, abrindo seu sorriso tímido do qual eu estava sentindo tanta falta.

— Mas, é sério, tu não tá com raiva de mim? Se fosse eu, acho que não ia querer nem mais olhar pra minha cara.

— A maioria das pessoas erra porque nossa primeira reação é se sentir vítima das situações que a gente se encontra e muitas vezes nós realmente somos vítimas. O problema é quando a gente pensa que a pessoa que está afundando no mesmo barco que a gente é que furou a embarcação, quando na verdade é mais um que está se afogando.

— Sei não, acho que muita gente afunda o barco de propósito, só pra desgraçar com a vida dos outros — afirmei, olhando na direção da Laura.

— E você não acha que essas são as maiores vítimas?

— Vem cá, é impressão minha ou o Espírito Santo fala contigo também?

— Espírito Santo? Como assim?

— Nada não... Besteira minha... Por que foi que tu voltou?

— Eu vim tentar conversar com você uma última vez antes de escolher outra cafeteria para frequentar.

— Olhe, escute bem uma coisa: o senhor só vai deixar de frequentar a SB Koffee quando for pra frequentar a minha cafeteria.

— A sua cafeteria? — perguntou, parecendo confuso.

— Pois é, comecei meu curso de barista e vou ter minha própria cafeteria.

— Eu não sabia que você queria ser barista e muito menos que queria ter sua própria cafeteria.

— Nem eu, descobri recentemente. Mas eu sempre soube que queria fazer alguma coisa por mim mesma, eu só não sabia o que era. Agora eu já sei o que é e tu vai ver.

— Desde criança, você tinha mesmo um perfil de liderança e pelo visto você nunca perdeu isso.

— Falando em perder... — falei, pegando a caderneta e a caneta do meu avental. — Anote aqui seu telefone, meu filho, que eu não vou ficar mais bestando aperreada contigo, não.

Ele anotou o número dele e eu o meu.

— Quando tu não tiver se sentindo bem, me manda pelo menos uma mensagem. Não me mata de preocupação mais, não. Combinado? — pedi, sorrindo.

— Combinado.

— E então? Ainda vai querer o de sempre? Expresso duplo e cupcake de morango?

— Por favor.

Eu anotei o pedido, me afastando para atender outra mesa, mas Pierre me interrompeu.

— Lis... Obrigado... — Ele pigarreou antes de continuar: — Obrigado por tentar me entender e por me perdoar.

— De nada.

— Você acha que podemos... Não, eu perdi esse direito — disse, olhando para a mesa.

— Podemos o quê?

— Sair para jantar. Se você quiser... Se não quiser, eu vou entender.

— Acho que podemos, sim.

— Eu não vou querer nada além de um jantar. Eu realmente gostaria de recomeçar... se você me permitir.

— Eu topo!

— No domingo à noite. Segundo Flor, é o seu dia de folga.

— Combinado.

— Os próximos três dias vão ser os mais longos de toda a minha vida — falou, sorrindo, dessa vez abertamente.

Eu lembrava bem das vezes que saímos, do quanto ele era gentil e respeitoso, do quanto eu gostava do seu sorriso tímido e da sua boa educação. As palavras "desculpa, por favor e com licença" estavam sempre presentes em seu vocabulário. Pierre era um romântico. Rosas, champanhe, danças, hotéis de luxo... Mas eu também lembrava de um certo anel de diamantes que, pelo visto, iria parar no dedo da pessoa errada.

Isso se eu não fizesse alguma coisa para impedir.

Fé, Lis! Um Romance Quase ClichêOnde histórias criam vida. Descubra agora