49. Poibididade

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— Não, titia!... Não puxe, não! — falei, levando a mão ao cabelo. — É o coque frouxo, tia.

— Ah, desculpe... — disse ela, rindo. — Mas por que é que você não solta esse cabelo, garota?

— Sei lá... É mais prático.

— Tem certeza que é mais prático ou você não gosta do seu cabelo? — perguntou minha tia, puxando a presilha e soltando meus crespos.

— Ô titia!... Dá trabalho deixar arrumadinho.

— Melhor que cabelo arrumadinho é cabelo natural. Você vai pra uma festa, né pra igreja, não.

— Falta de convite pra igreja, não é — rebateu minha mãe.

— Eu já disse que domingo eu vou, mainha — respondi, olhando meu novo visual no espelho.

— Tu sempre diz isso. Quando é pra ir... Campo mais limpo.

— Mas hoje é sábado! — Virei-me para a minha tia. — Tá vendo, tia? A senhora inventa de falar de igreja na hora que eu tô saindo.

— Ué? Você não tem livre arbítrio, não? O que eu tô vendo é uma mulher adulta que trabalhou a semana todinha pra cuidar da mãe e da filha e ajudar a pagar as contas da casa tendo que dar satisfação como se fosse uma criança.

— Margarida!... Isso lá é coisa que se diga pra menina? Lis é mãe, tem uma filha pra cuidar, tá em uma cidade que não conhece e perigosa do jeito que tá... Até porque não é certo uma mulher direita viver pela rua fora de hora.

— Rosa!... Pelo amor da minha virgem Maria, deixa a menina sair e se divertir. Até parece que você quando era jovem...

— Margarida... — interrompeu minha mãe, franzindo as sobrancelhas. — Acaba logo com essa conversa!

— Por quê, voinha? Tu era igual a mainha que tem três namorados e fica bêba e com saca, é? Tu traz calcinha das outras mulher pra casa? — indagou Flor.

— Flor de Lis, que história é essa de tu trazendo calcinha de outras mulher pra casa?

— Menina, que babado! — disse minha tia, de olhos arregalados. — Agora conta que eu quero saber tudinho.

Nesse momento, uma buzina se fez ouvir do lado de fora.

Salva pelo gongo!

— Minha gente, eu tenho que ir!

— Lis, nada de cachaça, viu?

— Tá bom, mainha — concordei, beijando o topo de sua cabeça. — Flor, vá dormir, vá.

— Não sem tu.

— Tu não pode depender de mim pra dormir, não, Flor, já tais grandinha.

— Quero historinha!... — reclamou, cruzando os braços sobre o peito.

A buzina se fez ouvir novamente. Fui até a janela e chamei Ulisses para que subisse.

— Que horas tu volta, Lis? — perguntou minha mãe.

— Não sei, mainha, mas não me espere, não, viu. Vá dormir e não se preocupe, que Ulisses me deixa em casa.

— Tais namorando esse homem, é?

— Não, mainha, ele é meu amigo.

— Sei... — ironizou tia Margarida.

— Titia!... — reclamei. — Homem e mulher podem ser amigos.

— Eu não disse que não podem.

— Mas fica aí com tuas leseiras!

— Eu não duvido de amizade entre homem e mulher, não. Duvido é da amizade de vocês dois — disse minha tia.

Fé, Lis! Um Romance Quase ClichêOnde histórias criam vida. Descubra agora