A porta no fim do corredor

53 6 0
                                    

Blayr/ 28

Eu queria sair do salão de treinamento antes que mais alguma coisa acontecesse, segundo Cris ninguém falaria ou comentaria sobre o que aconteceu comigo durante minha "demonstração de poder" mas não levei muita fé nisso, esperei ele voltar do banheiro e nos dirigimos para a saída da "loja" e um carro nos esperava do outro lado da rua, acho que nunca fiquei tão feliz por ver um carro na vida, todos os meus músculos pareciam ter virado carne moída, o vento gelado me atingiu com força e me puni mentalmente por não ter trago um casaco. Aos poucos dava pra ver o rigoroso inverno chegando, trazendo consigo o lembrete que o fim do ano se aproximava, entrei no carro com Cris ao encalço. O caminho foi silencioso, o mais novo não saiu do celular e eu fiquei olhando a janela, era estranho ver pessoas claramente bruxas circulando dentre os vampiros. Passamos em frente ao castelo, o carro parou e Cris desceu depois de me dar um aceno singelo então segui para o casarão. Assim que entrei senti como se algo estivesse diferente, os empregados não paravam de me bajular e fazer reverências esquisitas e formais, logo entendi a merda que tinha feito mais cedo, eu basicamente gritei a eles que era parceira de Théo, e por mais que a frase tenha sido seguida por um "eu nunca vou ficar com você" eu era quase uma futura rainha para eles agora, me obriguei a dar um sorriso fingido e fui para o meu quarto, eu precisava urgentemente de água quente batendo nas minhas costas.

》》》》》》》》》》《《《《《《《《

Saí do banho e me vesti com um dos meus vestidos tubinho, penteei meu cabelo, que naquele momento parecia um ninho de passarinhos, e saí do quarto a passos leves, estava determinada a passar o resto da noite trancafiada no escritório para ajudar Cris, já que o mesmo que passou a tarde tentando me ajudar e também porque não queria acabar trombando com Théo pela casa, mesmo que eu soubesse que ele provavelmente não sairia do quarto por conta do ferimento ainda aberto em seu tronco. Peguei um casaco grosso de lã e uma bolsa, enfiei minhas coisas dentro e saí do casarão.

Cheguei ao castelo já pelas dez da noite, os guardas da entrada me encaravam esquisito pelo horário mas passei direto, a essa altura eu não precisava mais ser anunciada, na real eu nunca fui. Entrei no escritório e vi Cris e Vivian sentados frente a frente, ela de olho nos papéis e ele de olho nela com cara de idiota. Pigarreei e ele me encarou assustado, dei uma risadinha enquanto imitava ironicamente a cara dele e ele fazia cara de cu, nesse meio tempo a ruiva me encarou com desdém e disse do jeito mais falso possível.

- Oi querida, quanto tempo.

Sorri fazendo minha cara de sínica habitual e me direcionei a Cris.

- Amigo, - forcei a barra de propósito- pode ir para casa que eu me viro aqui, estou sem sono e vou gastar minhas energias nos relatórios.

- Tem certeza? Tem bastante coisa pra resolver, ainda mais agora com toda essa gente aqui.

Assenti, - Eu realmente quero gastar minha energia no trabalho.

- Nem sei como te agradecer, isso está um caos, tem gente pra todo lado, acho que nem temos casas pra abrigar essas pessoas, e eu não consigo me focar em nem uma palavra sequer, minha cabeça está prestes a esplodir. - Ele falou coçando a nuca, eu sabia que ele estava cansado mas tinha certeza que esse não era o único motivo para o moreno estar com a cabeça nas nuvens. Dei uma risadinha e puxei ele da cadeira sentando assim que ele levantou. - Troca de turno. - Disse zombando da situação.

Ele pegou o paletó jogado na cadeira ao lado e se retirou me desejando uma boa noite, em segundos a ruiva sorriu amarelo e saiu pela porta sem olhar para trás. Comecei a checar a papelada, organizei em pilhas os diferentes assuntos e comecei a trabalhar, tinha de tudo ali, transferências, planilhas de pagamento e todo tipo de coisa chata de resolver que você pode imaginar. Algumas coisas eu não conseguia resolver, como emails de outras cortes e propostas de aliança, na real eu não podia fazer muita coisa, quase tudo que eu fazia passava pelos irmãos antes de ser oficializado, mas eu entendia isso, também não daria livre acesso a alguém recém chegado se eu fosse rainha.
Entre um relatório  e outro eu me pegava pensando na proposta de Cristian, de servir como rainha substituta para o meu povo, era uma idéia assustadora, mas necessária, aquelas pessoas não sabiam o que fazer e eu fui treinada para governar, mesmo que por pouco tempo, talvez se meu povo visse alguém da família real deles os governando, fosse mais fácil.

》》》》》》》》》》《《《《《《《《

Já se passava das duas da manhã e eu ainda estava ali, dividida entre papéis e milhares de abas abertas no computador quando minha mente começou a cansar, procurei a garrafa de água do escritório mas a mesma estava vazia então encarei a missão de ir pegar mais por conta própria, não seria tão vaca a ponto de pedir ajuda a algum empregado aquela hora da madrugada, saí do escritório tentando não fazer barulho e então me toquei que não sabia onde era a cozinha.

- Parabéns Blayr burra, você está ferrada agora. - Murmurei para mim mesma enquanto andava sem rumo dentre os corredores sem fim do lugar, o castelo estava incrivelmente silencioso, não via ninguém transitando e nenhum guarda, os únicos que se faziam presentes eram os da entrada, mas eu era orgulhosa de mais para ir lá e pedir ajuda. - Prefiro achar por conta própria.- Disse a mim mesma.

Depois de dez minutos andando encontrei uma grande escada em espiral, feita de mármore do início ao fim e subi presumindo que seria por alí, saí no meio de um grande corredor escuro, iluminado por velas e castiçais de prata, peguei um e me perguntei para que lado eu iria agora, segui minha intuição e fui pela esquerda, o corredor não parecia ter fim até que trombei com uma porta visivelmente pesada e antiga, não parecia com as demais, essa era entalhada com espirais e flores e algo clamava incessantemente para que eu vesse o que tinha atrás dela, como um ato involuntário girei a maçaneta e ela se abriu, era uma espécie de escritório abandonado, canetas tinteiro e papéis empoeirados preenchiam a mesa no fundo da sala, livros estavam empilhados no chão mas pareciam intocados há séculos, uma neblina melancólica e acizentada vagava no ar e um vento gelado pasava pelas janelas escancaradas e cobertas de teias de aranha, parecia que eu tinha sido teletransportada para outro lugar. Mas mesmo com todo o esplendor da sala só uma coisa me chamava a atenção, uma pequena mesa circular no canto da sala que criava uma miniatura um bosque e dos arredores dele, olhei em volta e achei uma plaquinha escrito "bosque dos mundos" em uma letra pomposa e delicada, fiquei observando cada caverninha empilhada até que sinto a presença de alguém, me viro rápido já pensando em uma boa desculpa mas dou de cara com o vazio, não tinha ninguém ali. Engoli em seco e coloquei o castiçal no chão já assustada, não era do tipo medrosa mas aquele lugar parecia uma cena de filme de terror e eu realmente não queria chegar na parte do filme onde o espírito aparece, respirei fundo e voltei a olhar as pequenas cavernas pintadas de cores diferentes e senti a presença novamente, só que agora mais perto, bem mais perto.

- Quem está aí? - Perguntei enquanto cerrava os olhos para tentar ver alguma coisa.

Senti uma lufada de ar passar pela minha nuca e paralisei, tentei olhar para trás sem virar a cabeça e vi pelo canto do olho uma mecha do meu cabelo flutuar, como se alguém brincasse com a mesma e então uma voz soou.

Não se assuste pequena Liliam.

A última filha de LilithOnde histórias criam vida. Descubra agora