Mentira

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Blayr/21

Théo trancou a porta e saímos pelas ruas mórbidas de Izalins, não havia ninguém passando ou se quer bares abertos, só eu estava ali, como se a própria deusa sentisse meu desespero enquanto eu andava sem rumo com lágrimas pesadas pingando no chão sangrento traçando uma espécie de trilha invisível, Théo se mantinha a alguns metros de distância me seguindo como se não ligasse muito para o que eu estava fazendo, como um guarda-costas silencioso com a única obrigação de me manter viva. O ar parecia me sufocar enquanto minhas mãos ficavam mais terrivelmente frias a cada passo, minha cabeça gritava, berrava para mim mesma que eu era uma mentira, que meus amigos eram uma mentira, que tudo aquilo era mentira e a única culpada daquilo tudo era eu mesma. Meus pés andavam por conta própria me levando até o limite da cidade, o escuro mar responsável pela maresia cotidiana que purificava o ar das manhãs. Não sabia quanto tempo tinha se passado até eu chegar ali andando, talvez horas, eu simplesmente não tinha noção de tempo. Minha garganta chiava enquanto as lágrimas se intensificavam e eu gritei, só gritei com tudo que eu tinha até o ar de meus pulmões acabar e meu joelho ceder, me deixando naquela úmida areia da praia, ajoelhada como uma miserável desesperada para tentar se agarrar ao resto de vida e estabilidade que tinha, ao pouco de mim que ainda restara de sua verdadeira personalidade, mas não, o que sobrou foi a garota que eu queria ser, da garota feliz que eu fingia ser no terceiro ou quarto ano, quando as meninas perguntavam das férias e eu inventava histórias sobre viagens em família onde todos me amavam e me davam atenção vinte e quatro horas por dia. Eu aprendi a ser ela, a agir como ela, mesmo que fingindo eu deixasse a minha verdadeira eu presa, era a única coisa que sobrou de mim, uma pilha de mentiras. Não era a poderosa Blayr da profecia que estava agarrada aos joelhos naquela praia, era a Blayr escondida e isolada, a menina que eu prendi tão fundo de mim que passei a sufocar. "Só mais um pouco" era o que eu dizia para ela enquanto buscava recolher meus pedaços caídos e voltar ao controle mas eu não conseguia, não conseguia parar instantaneamente e aparecer como se nada tivesse acontecido como antes, dessa vez eu não estava no controle.

A verdadeira não era compreensiva, forte o tempo todo nem muito menos uma pessoa decidida, mas era assim que eu fingia ser, fingia porque eu precisava ser assim, minha máscara estava fraquejando nos últimos meses mas eu retomaria o controle, eu precisava retomar o controle de mim mesma mesmo que isso significasse voltar a fingir. Aos poucos meu ar foi voltando e meu peito parando de doer até que eu não sentisse mais nada, eu estava completamente sem emoção ou sentimento, sabia que aquilo cobraria um preço mais para frente, mas agora eu não me preocuparia com isso. Só vazio residia em mim quando Théo me chamou me fazendo lembrar que estava ali o tempo todo.

- Precisamos voltar para casa. - Disse estendendo a mão para que eu me levantasse e assim fiz, peguei a mão e me recompus respirando fundo.

- Não quero falar disso. - Falei antes que ele perguntasse.

- Não ia perguntar, se quiser falar vai ser por vontade própria, quando e onde você quiser.

- Obrigada.

Andamos lado a lado silenciosamente de volta ao casarão, cada um submerso em seus próprios pensamentos mas mesmo assim juntos, chegamos na casa de Théo e tudo parecia igual, a única excessão era que Cristian não estava mais no sofá, o relógio marcava 4:40 da manhã e me culpei internamente por fazer Théo ficar fora até tão tarde, subimos as escadas e paramos no corredor dos nossos quartos.

- Amanhã é sábado, tente dormir, não se importe com horários. - Disse Théo enquanto me analisava, como se discutisse internamente se já podia me deixar sozinha.

- Digo o mesmo, e... obrigada.

- Fiz o que qualquer um faria.

Ninguém tinha feito isso por mim, mas não contaria a ele, ninguém sequer me via quando eu estava daquele jeito e me assustava o fato de ele ter sido o primeiro. Sentei no chão assim que ele entrou no quarto dele, ansiando por mais um segundo de ar antes de me prender em um quarto fechado. Perdia a noção de tempo novamente enquanto analisava as ruas da cidade pela janela, a casa tinha uma visão perfeita de tudo, podia se ver até a praia ao longe, só me toquei que devia dormir quando lentamente o sol começou a se erguer do outro lado das montanhas pintando calmamente o chão de ouro e levando embora mais uma cruel lua de sangue em Izalins. Fui para meu quarto e dormi, sem se importar com roupas, dentes ou banhos, só me entreguei ao vazio de um sono profundo.

A última filha de LilithOnde histórias criam vida. Descubra agora