A voz que viaja no vento

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Blayr/ 29

A voz parecia envolta em sombras e soprada de algum lugar distante, era como se a pessoa estivesse mandando a própria voz para que viajasse entre das fortes lufadas de ar gelado que passavam pela janela e me atingiam em cheio logo em seguida, aquilo era magicamente aterrorizante.

- Quem é você? - Perguntei meio incerta se queria mesmo saber a resposta.

- Alguém que vai te ajudar a abrir os olhos. - A voz soou perto do meu ouvido, como se me rondasse.

Fiquei em silêncio tentando entender se aquilo era real, talvez eu tenha dormido no meio dos papéis e isso tudo é só um sonho de procedência duvidosa, fechei as mãos em punho e cravei as unhas o mais fundo que consegui, eu precisava acordar.

- Você devia parar de fazer isso, não é um hábito saudável, muito menos a longo prazo.- Dessa vez a voz foi longínqua, como se estivesse sentada na escrivaninha.

- Não tem o direito de me dizer o que fazer. - Disse ríspida.

- Não tenho, mas como te vi crescer, acho que posso fazer uma crítica construtiva.

- Como assim... me viu crescer?

Uma risada irônica. - Vejo você desde seu primeiro dia de vida, cada passo, cada escolha, eu estava lá, provavelmente acha que a voz que dava pitaco nas suas ações era sua própria consiência, mas está enganada.

Engoli em seco tentando ser racional, se aquilo realmente era real eu precisava colocar, seja lá o que aquilo fosse, á prova.

- Se me conhece mesmo, qual era o nome do meu amigo imaginário na infância? - Nunca tive um amigo imaginário.

- Você nunca teve esse tipo de coisa, seus únicos amigos em casa eram as sombras do seu quarto. - Fiquei assustada, ainda mais com a afirmação.

- Parece que está lembrando não é mesmo, hoje não foi a primeira vez que você usou sua magia, ela sempre te acompanhou. - Uma pausa. - Pense querida, Luana pode ter retirado parcialmente suas memórias mas se se empenhar vai conseguir lembrar. - Disse por fim.

Fiz força, mesmo que fosse esquisito confiar numa voz misteriosa, não custava tentar. Busquei o mais profundo que consegui dentro da minha cabeça, mergulhei nas minhas memórias mais abiçais e então eu vi, vi uma garotinha de onze anos ou menos brincando com uma pequena sombra, movendo-a de uma mão até outra, completamente controlada e ciente do que estava fazendo.

- Eu... eu já.

- Isso mesmo, já aprendeu a controlá-la por conta própria uma vez, pode conseguir uma segunda, e mais rápido ainda com a minha ajuda.

Peguei o pequeno castiçal e saí de lá o mais rápido possível, era coisa de mais para processar de uma vez só, passei como um raio pelos corredores, desci as escadas, cruzei o salão e voltei ao escritório, só aí percebi que estava prendendo a respiração desde que saí da sala. Sentei em uma das cadeiras e rezei a todas as divindades que eu conhecia para não ter que ir lá mais uma vez, mesmo sabendo que o caminho até aquela porta entalhada com redemoinhos e rosas não seria esquecido facilmente e que eu provavelmente voltaria lá em breve.

Já cansada peguei minhas coisas e saí do castelo, as ruas estavam vazias e silenciosas, o vento estava impiedoso, mas ainda não tínhamos chegado no ápice do inverno, então coloquei meu casaco, abracei meu corpo e fui andando até o casarão.

No caminho fiquei pensando muitas coisas, uma delas é que só agora eu havia reparado que a voz me chamou de Liliam, nunca conheci ninguém com esse nome e isso me intrigou, e a segunda é que Théo provavelmente surtaria se descobrisse que eu estava andando pelas ruas de Izalins sozinha tão tarde da madrugada, ou cedo, se levar em conta que já eram quase quatro da manhã.
Cheguei "em casa" exausta, agradeci aos deuses que tinham deixado a porta aberta, tranquei a mesma e fui direto para o quarto, mas parei subitamente assim que ouvi um leve rosnado de dor vindo do quarto de Théo, entrei e o mesmo dormia com uma expressão tensa no rosto então me aproximei, era impossível para mim não me importar com ele, sei que qualquer um que visse a cena me acharia uma louca o olhando dormir, eu não sei explicar, mas ve-lo tão de perto e anonimamente me dava paz, a mais pura e singela paz.

Ele se mexeu e virou na cama, por fim aliviando o cenho, como se estivesse superado a parte ruim do sonho. Dei meia volta e falei baixinho, - Boa noite, Théo. - e então fui para o meu quarto.

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Não dormi bem a noite toda, a voz misteriosa ia e voltava da minha cabeça e fiquei revirando na cama a madrugada inteira, consegui adormecer somente quando os raios frios de sol começaram a dominar a escuridão.

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O dia seguinte foi comum, nada de diferente ou especial, acordei por volta das onze, almocei no quarto e lá pelas quatro da tarde fui ajudar Cris no castelo, mas dessa vez fui embora com ele quando a noite caiu, não corri o risco de ficar sozinha ali mais uma vez, não ainda.

A última filha de LilithOnde histórias criam vida. Descubra agora