Uma panela de Pressão

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Blayr/ 54

Desci as escadas já procurando Cris com os olhos mas por algum motivo não conseguia acha-lo em lugar algum, rodei o salão a sua procura mas foi uma missão sem retorno, quando eu estava prestes a desistir passei por uma grande janela de vidro que dava para um jardim externo, neve cobria o chão antes verde e ao fundo várias crianças se reuniam ao redor de algo, um garotinho de mais ou menos dez anos com cabelos da cor de prata polido esbarrou em mim e continuou correndo até se juntar aos demais, quando me dei conta já estava afundando os saltos na neve fofa e indo atrás dele.
Quanto mais perto eu chegava mais visível ficava o "objeto" que os pequenos encaravam, os ombros largos cobertos apenas por uma grossa camisa branca deduravam a identidade do homem ajoelhado no chão moldando com as próprias mãos a cabeça de um boneco de neve rechonchudo, Cris parecia tão feliz ali, tão misturado com as crianças que resisti a vontade de chamá-lo, uma menina com um vestido azul ofereceu pedras ao meu amigo como se quisesse ajudar a fazer os olhos, era uma visão tão fofa que eu mal podia parar de encarar, depois de tudo que Théo me disse sobre a morte do pais realmente não tinha parado para pensar em como foi para Cris passar por tudo aquilo sendo ainda mais novo que o irmão, me pergunto se ele pode fazer bonecos de neve na infância sem precisar se preocupar com nada além de se ficaria ou não resfriado no dia seguinte e se sim se Théo pôde estar com ele.

Quando a última pedra foi colocada a mesma garota que tinha o oferecido as pedras antes apontou para mim enquanto catucava ele, Cris se virou sorridente, pegou o paletó de algum lugar do chão e se levantou espanando a neve dos joelhos.
- Está aqui desde quando? - Disse ele enquanto se despedia das crianças que por sua vez pareciam realmente tristes de vê-lo partir.

- Tempo o suficiente! Não está com frio? - Perguntei enquanto ele vestia novamente a parte de cima do terno azul marinho.

- Gosto das temperaturas baixas, de sentir meu queixo tremer. - Admitiu ele. - E você? Esse vestido não parece muito quente para estar aqui fora sem ficar roxa de frio!

Avaliei minha roupa e realmente o tecido não parecia quente o suficiente para suportar o clima fora da casa mas mesmo assim eu não estava sentindo frio, estava gelado, é claro, mas eu não sentia nem uma pontada de frio. - Deve ser forrado ou coisa assim, não estou com frio. - Cris deu deu ombros e voltamos caminhando para a parte de dentro do castelo, Théo já estava reclinado em seu trono enquanto observava a multidão dançante. - Viu Lexie por aí? Não encontrei ela até agora. - Cris perguntou enquanto a procurava com os olhos, a simples menção ao nome da loira me fez lembrar da questão da noite passada, aproveitei que ela ainda não chegara e fui confirmar minhas suspeitas já confirmadas.

- Cris, quando conhecemos Lexie ela disse que o marido morreu antes do nascimento do Kalem, não é? - Cris balançou a cabeça confirmando mas meio confuso de onde eu queria chegar com aquilo. - Ontem quando estava passeando com ele encontrei seu irmão no bar, conversamos um pouco e o garoto até pareceu gostar dele, - O que que tem? - Ele me cortou. - Me deixa terminar, em um momento ele mencionou o jeito que os pais brigavam, na hora eu não percebi mas depois fiquei pensando nisso e não faz sentido ele saber como os pais brigavam sendo que ele nasceu depois da morte do pai!

- Lexie pode contar do pai para ele, é normal falar do pai do seu filho, sabia? - Desdenhou meu amigo, eu sabia que seria difícil Cris achar que algo naquela mulher estava errado mas eu precisava que ele pensasse racionalmente, pelo menos um pouco.

- Ele falou como se soubesse, como se de alguma forma tivesse visto ou presenciado. - Ele só balançou os ombros e suspirou.

- Eu não sei Blayr, se quer mesmo perder seu tempo nisso vá em frente, já conheci muitas pessoas perversas para dizer que ela com certeza não é uma delas. - Depois  daquilo eu sabia que tinha perdido, meu amigo não me ajudaria e por mais que algo no fundo me dissesse que aquilo não era tão alarmante quanto eu imaginava eu me recusava a deixar isso para lá e esperar para ver.

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Mesmo sozinha naquele salão enorme eu me sentia constantemente vigiada mas diferente das histórias de terror onde nunca se acha o stalker até que ele ataque o meu não me observava secretamente de trás de um arbusto ou de dentro de um carro, ele se sentava preguiçosamente em um trono de ouro maciço e não fazia nenhuma questão de fingir que não estava me olhando.

Subindo rapidamente as escadas do palanque fui atrás dele. - Por que está me encarando? - Perguntei assim que cheguei perto o suficiente.

- Você disse que me faria perder o controle mas a única coisa que tem feito até agora foi andar de um lado a outro com um vestido bonito, - Aquelas palavras eram um desafio, ele queria me ver tentar. - isso parece tentador para você? Sei que me ver desfilar por aí pode ser tentador mas se acha que fazer essa mesma coisa vai me fazer rastejar por você está insultando meu auto-controle. - Ele zombou.

- Ainda não tentei nada mas parece que você está bem ansioso por isso, não? - Rebati e ele sorriu ladino.

- Gosto de apostas e essa em especial está bem... interessante. - Sua mão foi até a tatuagem em meia lua no meu pescoço e com o dedo ele seguiu o formato do desenho. - Boa sorte! Monstrinho.

Vi ele se levantar e descer cada degrau das escadas, o acompanhei com os olhos até ele sumir na multidão quando de repente meus ouvidos começaram a zumbir, era um barulho tão fino e agonizante que me deixou um pouco tonta, cambaleei pelas escadas abaixo enquanto sentia as pessoas me observarem, com o resto de senso de direção que tinha me desvencilhei daqueles no caminho e saí do salão, subi as escadas e fui para o segundo andar, talvez eu estivesse ficando doente ou minha pressão tivesse caído, eu não sabia dizer, assim que passei pelas portas do meu quarto no castelo ouvi uma voz soar de dentro da minha cabeça, bem lá do fundo mas eu ainda conseguia ouvir, conseguia diferenciar, era a voz do escritório abandonado.

" Venha para cá, agora! "

E então o zumbido piorou, se é que aquilo era possível, corri para o banheiro e molhei o rosto sem me importar com a maquiagem, depois eu daria um jeito nisso, o importante agora era conseguir dar dos passos sem sentir que minha cabeça iria explodir como uma panela de pressão velha. Saí do quarto procurando fazer o mínimo de barulho possível e cruzei os corredores até a outra ala do castelo, seria um desafio chegar lá sem acabar caída no caminho mas por sorte a festa lá em baixo era muito mais importante para os guardas do que ficar patrulhando um andar vazio então podia só correr desajeitadamente sem me importar em me esconder a cada passo. Quanto mais eu chegava perto mais eu me sentia pior, sentia que a qualquer momento minhas pernas falhariam ou eu desmaiaria no chão frio, por sorte faltava pouco, a porta arabescada já era visível, corri com as últimas forças que tinha até ela e entrei sem checar se alguém me seguia, praticamente me jogando na parte de dentro do lugar eu caí no chão, a porta bateu assim que eu passei e o barulho pareceu gatilhar uma piora na minha cabeça, comecei a ver o teto girar e senti meu estômago embrulhar por isso, fechei os olhos com força e então senti algo estourar, era como se tivessem enchido de mais um balão de aniversário e então ele estourou por não suportar mais. Continuei com os olhos fechados e fui sentindo que aos poucos aquele zumbido parava e a pressão dentro da minha cabeça diminuia, me atrevi a tentar abrir os olhos e quando o fiz percebi que minha visão estava estranha, era como se um véu negro estivesse na frente dos meus olhos .

- Você ficou a primeira noite inteira sem demonstrar nenhum sinal dos seus poderes, estou orgulhosa!

A última filha de LilithOnde histórias criam vida. Descubra agora