A Borboleta de prata

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Théo / 60

Meia hora já tinha se passado e ela ainda estava imóvel observando o corpo da senhora perder a vida, eu não podia fazer mais nada para ajudá-la. Não era a primeira vez que ela acabava dividindo seus sentimentos comigo, desde que ela chegou em Izalins acho que inconscientemente ela me envia suas emoções mais intensas pelo laço de parceria, sempre quando ela chora de madrugada, quando tem pesadelos ou até mesmo quando está muito angustiada com algo eu sinto meu peito apertar também. A primeira vez que isso aconteceu não fazia nem um mês que ela tinha se mudado para lá, ainda me lembro de segui-la até a praia por medo de deixá-la sozinha, de ficar observando de longe ela gritar loucamente enquanto o próprio peito despedaçava, eu sentia aquilo também, um desespero tão intenso, uma dor tão profunda que temi que a qualquer momento ela pudesse desistir, era realmente horrível e por mais que eu não soubesse o motivo daquela dor eu nunca mais pude esquece-la.

Depois daquele dia já havia perdido as contas de quantas vezes passei noites em claro na porta dela esperando ela dormir para poder verificar se ela realmente estava bem, para ver se ela realmente estava dormindo ou se tinha cedido a própria dor e tentado dar um fim a si mesma, aquela possibilidade me apavorava e vê-la assim e novamente não poder ajudar em nada era a personificação do meu pior pesadelo, eu queria tirá-la daqui o mais rápido possível mas também sabia que aquela seria a última vez que ela poderia ver aquela senhora, sabia que depois de hoje Blayr talvez nunca mais pudesse voltar ao mundo humano, a partir do momento que saíssemos daqui e a polícia achasse o corpo Blayr seria colocada como procurada e seu rosto seria espalhado por milhares de jornais e programas de TV, aquele era seu último adeus então não ousei interferir, deixei que ela ficasse ali o quanto achasse necessário. Algum tempo depois ela desviou o olhar para mim, me encarou por alguns segundos e então desviou o olhar para a janela e a noite fria atrás dela, aquele fora o primeiro movimento dela em quase uma hora mesmo com um pequeno cachorro peludo tentando incessantemente chamar sua atenção, ela carregava uma expressão vazia, não havia nada em seus olhos além de um profundo e congelante vazio, uma noite eterna e escura que parecia roubar cada gota de vida que vesse pela frente, mesmo em silêncio eu sabia o que ela queria dizer, ela estava me avisando que já conseguia ir embora, que já estava pronta para ir.

Procurando desesperadamente o telefone entre os bolsos do casaco liguei para o meu irmão que em poucos segundos atendeu.

- Já querem voltar? - Perguntou ele risonho do outro lado da linha.

- Rastreie meu telefone e abra um portal para cá o mais rápido possível. - Ordenei em voz baixa.

- Você sabe que é contra as regras, o que aconteceu? - Meu irmão parecia assustado agora, eu não o culpava, no seu lugar eu também me preocuparia.

- Eu explico tudo quando chegarmos, acredite, - Engoli em seco enquanto meu olhar foi para o corpo já azulado no meio da cozinha. - não tem mais nada aqui para ver nossa partida.

- Tudo bem. - Foi a única resposta dele antes de desligar, eu sabia que ele tinha entendido, mesmo que não soubesse de nada do que acontecera ele sabia o que aquela frase significava.

Nem um minuto se passou e um portal apareceu no corredor, por mais que eu tentasse não transparecer eu estava louco para sair dali, a passos leves me aproximei dela, Blayr estava tão quieta, tão imóvel e imperturbável que tinha medo de qualquer mínimo barulho desencadear outra crise de choro, ela não se mexeu nem esboçou qualquer reação quando passei os braços pela sua sua cintura e joelhos e a ergui do chão, ela parecia tão leve, tão fraca e delicada que me causou um arrepio, era como carregar um corpo já sem vida. - Vamos voltar para casa. - Murmurei e a segurei mais forte enquanto atravessava o portal com o pequeno bichinho ao meu encalço.

A última filha de LilithOnde histórias criam vida. Descubra agora