A última filha de Lilith

Dona Ana

                                                                                     Blayr/ 58 

Canela e maresia, aquele portal cheirava a isso, uma nuvem roxa cobriu minha visão por breves segundos e então eu já estava do outro lado, eu havia saído bem no meio de um quarto infantil, brinquedos velhos e descascados cobriam a maioria do lugar, a julgar pelas paredes mal pintadas e os mofos em diferentes estágios de propagação aquele lugar com certeza estava abandonado a anos, teias de aranha cobriam quase todo o teto e eu podia jurar que ouvi um chiar de rato não muito longe de mim, era nojento e esquisito, aquilo parecia um verdadeiro cenário de filme de terror e com certeza a próxima cena seria um palhaço aparecendo do corredor. - Parece assustada. - A voz de Théo soou atrás de mim e segundos depois o portal se fechou de vez.

- Aqui é horrível. - Admiti enojada quando vi uma barata atravessar para debaixo da cama de dossel antiga.

- Humanos têm medo de lugares assim por isso os usamos para entrar no mundo mortal, é mais fácil. - Ele falou com tom de deboche como se quisesse supor que eu estava com medo também, não pude evitar revirar os olhos.

- Saiba que se isso fosse um filme de terror você quem seria o personagem a correr gritando histéricamente assim que o palhaço assassino aparece. - Retruquei e ele deu de ombros pouco se importando.

- Palhaços são medonhos e me dão arrepios, eu com certeza seria o que sai correndo. - Ele disse enquanto caminhava até a porta amarelada e a atravessando.

- Frouxo! - Murmurei enquanto apertava o passo para acompanhá-lo, a verdade era que aquele lugar também estava me assustando. O resto da casa parecia igualmente esquisita mas por sorte logo Théo nos tirou de dentro dela por uma saída nos fundos, começamos a caminhar pelas ruas movimentadas de Los Angeles, bares e restaurantes cheios de pessoas vestidas de diferentes tons de vermelho e verde pareciam reluzir com os as luzes e fachadas brilhantes, risadas e murmuros alegres podiam ser ouvidos de todas as direções que eu olhava, tudo ali era eletrizante e contagiante, tudo irradiava felicidade e vida, eu sentia saudade disso, saudade daquela animação desenfreada que todos que moravam ali compartilhavam. - Obrigada, - Disse encarando Théo de baixo, ele também parecia meio imerso em tudo que acontecia ao nosso redor mas assim que eu disse ele esqueceu tudo e voltou a olhar para mim, os olhos límpidos refletindo boa parte das luzes que nos rodeavam. - obrigada por conseguir me trazer aqui hoje, eu sei que é um dia importante para o seu povo também, seu dever era estar lá mas você ignorou isso para vir aqui comigo, obrigado! - O sorriso que ele abrira depois disso foi melhor que qualquer presente, as covinhas aparecendo dos dois lados igualmente dessa vez, os olhos ficando pequenos e o brilho chegando aos íris eram como uma sequência de acontecimentos tão profundos que sempre haveria algo novo para reparar, o sorriso dele era assim, algo mágico e profundo que te prendia a cada segundo, eu não havia percebido o quanto eu gostava de vê-lo sorrir até aquele instante, eu queria que ele sorrisse para sempre.

- Não precisa agradecer, eu estou aqui porque quero estar com você, hoje! - Sua voz parecia ser destinada somente aos meus ouvidos, mesmo com todo o barulho exterior eu podia ouvir perfeitamente suas palavras. Continuamos andando em silêncio, por mais que nada estivesse sendo falado meu rosto ainda parecia sorrir sozinho, por todo o trajeto fora assim, o silêncio servindo de apoio para as milhares de coisas que minha mente não parava de pensar, mesmo com todo aquele agito eu ainda estava calma, tudo iria ficar bem.

A última quadra foi virada e o prédio salmão onde ela morava já era visível, a cada passo a diante meu coração batia mais forte e foi só aí que me dei conta que nem eu tinha vindo aqui muitas vezes para lembrar o caminho, como é que Théo não só sabia da existência dela como também sabia onde ela morava? - Quem falou desse lugar para você? - Disparei em meio ao silêncio.