Cabelos cor de mel

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Blayr/ 35

Eu tinha me libertado do medo, do risco, só deixando minha magia sair e fazer o que bem entendesse e desde então o quarto estava tomado de sombras, as mesmas do salão de treinamento, rodopiando entre meus dedos por vontade própria, quase como se gostassem tanto de estarem livres que tentavam me deixar feliz também. Eu ainda estava mal, ainda me sentia perturbada, com dificuldade para aceitar a verdade, mas ainda sim melhor do que antes, deixar sair foi bom para mim, nunca fui muito de chorar, só acontecia quando eu realmente me sentia sufocada, e dessa vez não foi diferente, eu só queria um minuto para respirar, lidaria depois com a coroa que pousaria na minha cabeça, lidaria depois com o Katrina, com Théo e com minha mãe provavelmente desaparecida, e principalmente, lidaria depois com o homem que me perseguia, agora era um momento para mim, e só para mim.

Parte de mim se perguntava como ele era, em como seria a voz, a aparência e se ele não tinha motivos para estar fazendo tudo isso, já a outra queria sangue, queria poder matá-lo com as próprias mãos e mostrar a todos do que era capaz se provocada, mas para isso eu precisaria ser forte, muito mais forte e poderosa do que eu sou agora.

Aos poucos eu fui relaxando, as sombras perdendo a densidade e voltando devagar para baixo das minhas unhas, era estranho usar magia, ainda mais sozinha, mas não pude deixar de perceber o alívio e calma imediatos que eu senti, toda aquela sensação de sufoco se foi assim que elas saíram de mim, lembrei da caveira dizendo "me use, me use antes que eu acabe usando você" e fiquei encucada nisso, o que aconteceria se o meu poder me usasse, se eu virasse só um objeto irradiando magia incontrolavelmente? Com certeza eu não queria descobrir, não ainda.

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Não sei ao certo quando eu dormi, só acordei com o vento petrificante passando pelas janelas e saí correndo até ela quando vi que estava nevando um pouco, os finos flocos de neve caindo lentamente deixavam a cidade mais linda ainda, as ruas ônix contrastavam com o branco e criavam um visual acolhedor e feliz, as crianças corriam pela praça com roupas fofinhas e touquinhas de pompom, os adultos sorriam e perambulavam pelas ruas com sacolas grandes e as lojas já penduravam guirlandas e luzinhas nas fachadas, eu amava o natal desde novinha, porque mesmo que o ano todo eu ficasse afastada dos meus pais no natal eles eram obrigados a me dar atenção, sempre fora uma época feliz e por mais que cada floco de neve, guirlanda e gavinha me remeta a eles ainda é uma época feliz, e isso não vai mudar.

Tomei banho, vesti calças quentes, um suéter bege e um gigantesco casaco rosa, prendi meu cabelo e desci para a cozinha. Os irmãos estavam sentados no sofá com grandes canecas de chá e vestindo moletoms gordinhos.

- Bom dia gente. - Dei um aceno e um sorriso aos dois.

- Bom dia, Blayr, acordou feliz? - Cris respondeu.

- Gosto de neve. - Dei de ombros. - Vão fazer o que hoje?

- Eu vou ter que ir no castelo, fiquei muito tempo sem trabalhar. - Théo disse enquanto assoprava sua bebida. - Por que? Tem algo em mente?

- Não, só queria passear pela cidade, sabe, comprar presentes e ver a decoração de natal. Aqui vocês chamam de natal? - Me dei conta de que poderia ser diferente aqui.

O mais velho riu. - A maioria do povo chama de Yule, mas acredite, é a mesma coisa.

- Se quiser eu posso ir com você, aproveito e te mostro a cidade. - Cris falou sorridente e Théo assentiu.

- Tudo bem, vamos então? - Cris se levantou e foi pegar alguma coisa na cozinha, Théo me olhou meio cabisbaixo.

- Desculpa não poder ir.

- Não precisa se desculpar, afinal a gente vai junto até a praça. - O olhar dele suavizou e ele soltou um riso contido.

- Você tem razão.

Cris voltou da cozinha sorrindo e passou os braços pelos meus ombros, podia jurar que vi Théo revirar os olhos e saímos da casa.

O caminho foi tranquilo, nenhum dos três falou mas não era um silêncio constrangedor, era até bem confortável, deixamos o mais velho no castelo e Cris me parou a alguns passos de uma rua cheia de lojinhas fofas.

- O que foi? - Perguntei mas não obtive resposta, Cris olhava para um ponto fixo no tumulto de pessoas transitando, uma garota com cabelos mel e pele rosada que segurava um garotinho com os mesmos cabelos que ela e bochechas gordinhas. - O que tem ela? - Perguntei já com interesse.

- Nada, - Ele rebateu nervoso. - já a vi uma vez em uma festa no castelo a dois anos atrás, mas ela sumiu antes de eu tomar coragem para puxar assunto, não tinha visto ela desde então.

Sorri feliz pelo jeito meigo que ele falava dela. - Achei que gostasse de Vivian.

- Ela é complicada, e eu também, fora que ela gosta do meu irmão, e isso nunca vai mudar. - Seu olhar baixou e pude ver tristeza passando por eles. Não gostava de ver ele triste então o puxei pelo braço até perto da moça que estava tão entretida que nem sequer percebeu a aproximação.

- Que menininho fofo, qual o nome dele? - Exclamei para a garota dos cabelos mel.

- Obrigada. - A garota sorriu e logo em seguida falou para o pequeno se apresentar. - Fala o seu nome pra tia... qual seu nome mesmo?

- O meu é Blayr, e esse, - Puxei Cris que estava atrás de mim como uma estátua. - é o Cristian. - As bochechas da mulher ficaram mais vermelhas que uma pimenta assim que se deu conta da presença do irmão do rei.

- O minha Deusa, onde estão meus modos. - Ela fez uma reverência desengonçada que tirou uma risada de Cris. - Me desculpe.

- Não precisa se desculpar. - Exclamou Cris com uma voz estranhamente grossa que me fez querer rir. A loira falou alguma coisa baixinho para o garoto que timidamente me olhou nos olhos e sorriu. - Meu nome é Kalem. - O pequeno disse se embolando um pouco nas palavras.

Queria saber se ela era mãe dele, e acima de tudo, queria saber se ela estava solteira, por mais que ela parecesse ser só alguns anos mais velha que eu aprendi a não confiar nas aparências por aqui, ela poderia muito bem ser casada, ter outros três filhos e mesmo assim parecer ter vinte e poucos anos. - Seu filho é lindo, o pai deve ficar bobo. - Disse sem olhá-la enquanto brincava com a mãozinha do pequeno.

- A, acho que ele ficaria sim. - Seu tom de voz alegre mudou, como se estivesse entrando em uma memória triste.

- Me desculpa, não queria me intrometer assim. - Falei rapidamente.

- Tudo bem. - Ela sorriu olhando para baixo. - O pai dele morreu enquanto eu ainda estava grávida, ele era soldado da corte. - Não tinha nenhum rancor ou raiva em seus olhos, só a mais pura saudade.

- Meus pêsames. - Cris disse oferecendo um sorriso acolhedor que ela retribuiu.

A mulher balançou a cabeça como se quisesse mudar de assunto e estendeu a mão. - Prazer, Lexie Tuchine. - Sorri e apertei a mão dela.

- Blayr Ahmed. - Assim que falei meu nome Lexie arregalou os olhos.

- Você é a filha dos reis bruxos. - Assenti.

- Adotiva, mas sim, sou filha deles. - Ela sorriu, pelo visto ninguém além de mim, Katrina e os irmãos Reed sabiam da morte do meu pai. Troquei de assunto, precisava garantir que ela fosse nos ver denovo. - Gostei de você, Lexie, por que um dia desses não aparece no castelo? Pode levar o Kalem. - Ela parecia meio surpresa mas assentiu.

- Vou sim, pode deixar.

- Vou indo, quero explorar a cidade. - Disse acenando para ela, Cris fez o mesmo e nos afastamos.

Quando estávamos longe o suficiente Cris pôs a mão no peito e inspirou fundo. - Na próxima vez que fizer isso comigo eu te mato. - Disse ele brincado.

Ri alto e ele me acompanhou. - Veja pelo lado bom, agora você sabe que ela é solteira e de brinde eu dei um jeitinho de você ver ela denovo, vai me dizer que não sou uma amiga incrível?

Cris passou o braço por meus ombros e admitiu. - É, você realmente é.

- Agora vamos, preciso gastar todo o meu salário em presentes de natal. - Disse rindo e puxando ele pelo braço para uma das milhares de lojinhas daquela rua.

A última filha de LilithOnde histórias criam vida. Descubra agora