Dolorosa Verdade

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Blayr/ 32

Passando pelo portal já pude ver parte da praça, era estranho estar envolta de magia, principalmente a bruxa, essa em especial tinha um forte cheiro de jasmim e ervas, era um cheiro agradável, nada comparado as minhas sombras densas e ruinosas que cheiravam a sangue seco e putrefação, acredito que se morte tivesse um cheiro específico, seria aquele.

Aparentemente tudo estava igual, crianças brincando, adultos supervisionando e pessoas circulando, todos seguindo suas vidas, mas algo íntimo dentro de mim sussurrava que aquela paz não duraria muito tempo, ainda mais agora que meu pai havia me visto. A idéia de ele me ver por si só parecia assustadora, mas se dar conta que agora ele sabe exatamente com quem eu estou gelava minhas entranhas, um gelo tão frio que seria capaz de queimar e tão denso que usurpava o ar dos meus pulmões me fazendo querer chorar, imaginar meus amigos sofrendo para me proteger era desesperador demais, até para mim, e em meio a tanta coisa eu ainda tinha que me preocupar com as sombras dentro de mim, eu podia sentir, sentir meu poder rastejando pelas minhas veias e agarrando qualquer coisa viva dentro de mim, para falar a verdade me sentia a cada dia mais vazia desde que elas se manifestaram no salão de treinamento, era como se elas fossem inteligentes o suficiente para perceber que não sei controlá-las e por isso estão fazendo de gato e sapato o meu corpo, me maltratando exatamente porque sabem que eu não saberia como fazer o mesmo com elas. Era muita coisa para pensar, muita coisa para resolver e o que eu menos preciso agora é me aliar a uma voz nada confiável que prometeu me treinar, treinar minhas sombras até que elas obedecessem a mim. O pedido de Cris mais cedo daquele mesmo dia também me preocupava, ainda me causava calafrios, ser rainha, me tornar soberana na coroa de meus pais desaparecidos mesmo que por pouco tempo era algo esquisito de se pensar, sei que fui treinada para isso, quase como se meu pai adotivo soubesse o que estava a seguir, como se ele soubesse que eu iria ter que representar o meu povo em algum momento breve, no caso, agora. 

Nunca vi a coroa real do mundo bruxo, nem tenho ideia se ela existe, mas uma parte de mim a queria sob a minha cabeça na hora que eu tomar a frente da situação, quase como se com ela, viesse a bênção do antigo rei e os conselhos da antiga rainha, mas nem isso eu tinha, o máximo que me sobrou depois do ataque foi uma vontade gritante e maligna de vingar todo e qualquer soldado que morreu nas mãos das bestas enviadas pelo meu odioso pai biológico, e nada mais.

Cris estava do meu lado meio inquieto, andava de um lado a outro no telefone no meio da praça, algumas pessoas passavam e observavam, outras faziam reverências e abriam sorrisos largos assim que reconheciam os dois irmãos soberanos, aprendi rapidamente que respeitam Cris exatamente do mesmo jeito que respeitam Théo, como se para eles a coroa só tivesse na cabeça do mais velho por pura tradição, já que era de conhecimento comum que os dois trabalhavam lado a lado.

- Parece que temos que ir até o castelo, Vivian disse que tem uma mulher lá que exige falar com o rei e sua companheira. - Cris disse após desligar o telefone, olhei para Théo confusa mas o mesmo também parecia não fazia idéia de quem era. - Será que... - Não terminei a frase, Théo entendeu o que eu queria saber.

- É possível, pouca gente sabe que você e eu somos parceiros. - Ele rebateu e então virou para o irmão que apenas deu de ombros.

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Caminhamos em silêncio até o castelo, ele não ficava muito longe da praça, para falar a verdade, eram menos de cinco minutos andando mas uma parte de mim clamava para que eu andasse devagar, para que eu me permitisse ter mais alguns minutos antes de encarar o que estava por vir. Depois de chegar no castelo nós três enrigecemos ao ver Katrina sentada junto á Vivian, as duas pareciam se dar bem, de costas para a entrada, a conversa parecia acalorada, mas a única coisa que me chamava a atenção era minha prima e o fato de ela estar sozinha, eu ainda tinha esperanças de quando eu achasse ela, acharia meus pais adotivos de brinde, mas pelo visto esse é só mais um desejo frustrado para adicionar à minha lista de decepções. Minha prima estava mais magra que o habitual, suas roupas estavam um trapo, a bainha da calça especialmente desfiada e a blusa justa suja de terra seca, os cabelos presos em um coque bagunçado, mas não de um jeito proposital, o ataque acontecera a pouco mais de uma semana e preocupava a possibilidade de que talvez minha prima estivesse vagando desde então, perambulando por Malaz até decidir se transportar para cá, se é que minha prima já tenha dominado essa habilidade.

A última filha de LilithOnde histórias criam vida. Descubra agora