Aviso divino

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Bianca

Eu estava sentada no banco de trás do carro preto, que saía de frente da portaria do meu prédio e se dirigia para a Igreja de St. Thomas. Metade de mim continuava paralisada pelo choque, a outra metade não parava de pensar e latejar. Rafaella havia me beijado e, simples assim, ela tinha me atingido. Como um único beijo, ela tinha me feito rever todos os meus conceitos, valores, morais, prioridades e até a minha dignidade. Por mais que eu estivesse dividida, não havia uma partícula de mim que não quisesse se jogar em cima dela bem naquele carro e fazer com que ela ficasse ao meu lado pelo resto de nossas vidas.

Com um suspiro, eu tentei me acalmar. Esfreguei o rosto com as mãos e bufei. Aquilo era ridículo. Estávamos indo, juntas, ver o padre que ia fazer a missa do casamento dela. Casamento este que não era comigo. Casamento este que eu estava organizando. As coisas, literalmente, não podiam ficar piores.

Minha mãe sempre esteve certa ao meu respeito. Eu nunca tive muito profissionalismo, sempre me deixei envolver pelas histórias, pelas tradições, pelas famílias. Talvez esse tenha sido o meu maior erro: ter me deixado envolver por Rafaella Kalimann. E, enquanto estava sentada no banco de trás daquele carro, eu percebia a besteira que havia feito.

Se eu fosse uma pessoa que prezasse o trabalho acima de tudo ou a carreira ou o nome da minha família ou minha reputação, eu teria feito Levi assumir meu posto como planejador daquele casamento. Mas como eu era completamente imprudente, eu não ia fazer nada. E pensar que, por um tempo, eu realmente acreditei que meu trabalho era meu amante. Quem será que eu estava tentando enganar com aquela mentira? Só a mim mesma, provavelmente.

O silêncio desconfortável só foi abalado pela minha própria voz, depois de alguns minutos.

-E Ivy? Onde ela está? -Perguntei, timidamente.

-Ela está atrasada, vai demorar um pouco. -Rafaella respondeu, nem sequer olhando na minha direção.

Eu entendia a reação, só não esperava que ela fosse me tratar com tanta frieza. Mesmo depois de ter provado para si mesma que eu não conseguia resistir a ela, eu não havia feito nada. Eu, literalmente, me recompus da melhor maneira possível e saí pela porta, esperando que ela saísse também para que eu pudesse trancar o meu apartamento. Descemos pelas escadas sem trocar uma palavra. Rafaella me olhava, esperando uma reação, esperando que eu lhe dissesse algo, mas eu não sabia o que fazer.

Era exatamente por esse motivo que ela estava me tratando como se seu coração fosse feito de gelo naquele instante. Ela sabia que eu estava envolvida, sabia que tinha dito a verdade, sabia que mexia comigo. Mas eu não havia reagido. Aquilo a deixava louca, irritada, brava. De uma maneira meio bizarra, era até engraçado. Rafaella provavelmente havia esperado que eu tivesse me ajoelhado a seus pés, tivesse me oferecido para lhe fazer um oral e implorado que nosso acordo voltasse a vigorar. Só que as coisas não foram bem assim. E não seriam.

Chegamos na igreja mais rápido do que eu esperava. Rafaella abriu a porta do carro e saiu, eu saí pelo mesmo lado. Dois ou três seguranças nos escoltaram lá dentro e alguns paparazzi estavam por perto. Os flashes pararam assim que entramos na Igreja, porque os fotógrafos eram respeitosos o suficiente para, pelo menos, deixar Rafaella em paz em solo sagrado.

Mais seguranças entraram e se dividiram pela igreja, montando guarda. Só um ficou realmente conosco. Caminhávamos pelo corredor entre os bancos até o altar, onde um homem de batina ajoelhado não mostrava sinais de distração. Eu não sabia se devia anunciar a nossa presença ou se esperava até que ele olhasse para nós, mas Rafaella foi mais rápida.

-Com licença, padre... -Ela murmurou.

Eu lhe dei uma cotovelada forte nas costelas e lhe mandei um olhar feio, mas ela apenas deu ombros.

A CerimonialistaOnde histórias criam vida. Descubra agora