A Cerimonialista

Um brinde ao cupido e suas flechas tortas

10/10

Bianca

Passei o dia inteiro arrumando a casa para a chegada dos nossos esperados visitantes. Coloquei capas felpudas nos sofás, estendi o tapete persa e acendi a lareira para que ficasse tudo o mais aquecido possível. Amanhã é véspera de Natal e a neve está na altura das canelas lá fora, Rafaella saiu de casa enrolada em mil agasalhos parecendo uma bola de pano, desesperada para buscar todo mundo no lago e trazê-los até aqui afinal não daria certo deixá-los subir as ruas íngremes sozinhos, não escorregadias como estão por causa do gelo e Rafaella já está mais do que acostumada com esse trajeto e é bem menos desastrada do que eu. Dois anos em Hallstatt e ela era a verdadeira camponesa.

A felicidade me envolvia de um jeito surrealmente indescritível e não só pelo fato de ser minha época favorita do ano e sim porque eu havia parado pra refletir sobre tudo que me acontecera e me trouxera até aqui. Dali a poucos meses fariam três anos que eu coloquei os pés nesse lugar pela primeira vez e o sorriso mal me cabia no rosto com essas memórias.

Eu me lembro como se fosse ontem.

Eu havia feito a viagem mais exaustiva de toda a minha vida e cheguei em Hallstatt do mesmo jeito que saí de Mykonos: com o coração partido. Minha tia me recebeu de braços abertos assim como Álvaro que parecia outra pessoa, sadio e sereno. A casa que me foi cedida era uma gracinha com dois quartos e o que estava arrumado para mim era o que tinha a cama de casal, isso não me ajudou muito. Eu estava definhando e chorava todas as noites pensando no que eu havia deixado pra trás, pensando em Rafaella. Até que cinco dias depois, a própria bateu na minha porta cheia de malas e um sorriso de tirar o fôlego dizendo que não queria estar em lugar algum que não fosse ao meu lado. Eu não precisei de dois segundos pra me jogar em cima dela.

Rafaella me contou que tudo isso fora um plano da minha mãe e eu quase caí dura em incredulidade. Pela primeira vez o Diabo fez papel de Deus. Dona Mônica havia pensado em cada detalhe e Rafaella só precisou conversar com a família, articular uma história convincente para a sua ausência. Ela me disse que até mesmo Ivy ajudou nisso tudo, não preciso nem dizer que fiquei embasbacada, né? Até minha tia sabia disso e eu não!

Pois bem, eu nunca pensei que o mundo isolado seria tão maravilhoso! As pessoas não sabiam quem Rafaella era, não me reconheciam e éramos apenas nós, duas pessoas normais em um lugar novo. Rafaella rapidamente arrumou um emprego na livraria e graças à minha tia, consegui uma vaga na equipe de turismo. Levamos uma vida simples e surpreendentemente, melhor do que o que eu sempre sonhei.

-Meu Deus, eu estou congelando! -A porta da sala foi aberta e a mulher abriu um sorriso do tamanho do mundo ao me ver.- Bianca! Venha me abraçar, você deve estar toda quentinha!

Ivy correu em minha direção e eu a abracei rindo, estava morta de saudades desta mulher. É até meio inacreditável dizer isso, olhando para o meu passado com Rafaella, mas a modelo havia se tornado uma das minhas melhores amigas. Depois de ter dado total apoio para Rafaella vir atrás de mim, Ivy se tornou a apaziguadora da história. Quando deixou a Grécia e voltou para os Estados Unidos, todos estavam na sede de tirar a história a limpo com ela, saber como ela se sentia em ter sido traída com a organizadora do casamento e ela respondia à todos com a mesma frase: "Bianca é uma boa menina, vejo motivos para Rafaella ter feito tal escolha" e afirmava que a ex-mulher não seria privada de acompanhar o crescimento do filho. Eu e Rafaella não pudemos ver o fusuê que sua resposta causou mas ela disse que a insistência deles não foi muito longe com a ausência de Rafaella, ainda mais depois que Sebastião e Genilda confirmaram que a filha havia ido para um centro de reabilitação. Foram feitas milhares de especulações sobre o assunto, mas nenhuma chegou à lugar algum, bem como minha mãe planejara.