É impossível fugir da realidade

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Bianca

Senti minha cabeça zunir quando abri os olhos pela manhã. Eu levantava na maior pressa, tomava banho na mesma velocidade que um gato e saía sem tomar café da manhã. Aquele tipo de rotina já era normal pra mim quando um casamento estava tão perto de acontecer. Eu passava o dia todo na rua, na igreja ou no salão de festas, decidindo os últimos detalhes.

Evitei os olhares do padre Martin, evitei os olhares de Levi e me concentrei em fazer o meu trabalho, como um bom soldado que segue ordens específicas. Mas eu já tinha um plano e sabia exatamente o que faria. Desde criança, eu nunca levei esporro à toa. Quando minha mãe brigava comigo, eu ficava quietinha, escutava a bronca sem dizer uma só palavra e não tentava me libertar do quarto escuro que ela me colocava, mas depois que eu saía, depois que as coisas já estavam bem calmas, eu fazia a casa inteira tremer.

Como na vez em que minha mãe me deixou de castigo por ter cuspido em um dos colaboradores da empresa. Depois de ficar livre, derrubei a prateleira com os jarros das cinzas do meu avô e de grande parte dos meus ancestrais maternos. Minha mãe quase quis me matar de novo, mas eu fiz tudo se parecer um acidente. Dessa vez, não seria diferente.

As compras relacionadas à empresa, que eram minha responsabilidade também, eram feitas com um cartão de crédito numa conta conjunta da minha mãe e do meu pai. Era uma conta gorda, mas ninguém era autorizado a mexer, a não ser que fosse de extrema importância. Os salários de todos os funcionários eram pagos por lá, através de um depósito automático. Pensando dessa maneira, seria quase impossível usar o dinheiro da conta se eu não estivesse com o cartão e, agora que eu sou a filha imprestável, ninguém me daria a posse dele.

Sorte a minha ter todos os números do cartão anotado e ter decorado a senha.

Minha mãe queria me ver longe no dia do casamento de Rafaella e eu até poderia ir embora, sim. Mas ela que ia pagar minha estadia na Europa, meus hotéis caros e todas as minhas compras. Ela não ia perceber o rombo na conta até que fosse tarde demais e, enquanto isso, eu já estaria longe, aproveitando a vida como nunca. E, tecnicamente, com ordens dela.

A única coisa que fazia com que eu me sentisse melhor era esse plano, porque de resto, eu me sentia como se estivesse afundando lentamente. Não havia muito tempo restante. Uma conferência de imprensa já tinha acontecido e me perguntaram muitas coisas sobre o casamento, sobre a decoração, sobre o lugar, sobre quem estava fazendo o que. Rafaella e Ivy também compareceram, mas nossos horários eram diferentes.

Ivy que me fez marcar a conferência, mas eu achava algo tão supérfluo e superficial. Se você vai se casar com uma das mulheres mais famosas do mundo, pra que ficar divulgando desse jeito? Todo mundo ia saber de alguma forma. É desnecessário se submeter a perguntas toscas e que ninguém realmente quer saber.

-Senhorita Andrade, qual é a altura do bolo? -Perguntou um deles.

-Senhorita Andrade, como foi a escolha do lugar? -Perguntou outro.

-Por que você acha que Rafaella e Ivy escolheram a empresa da sua família? -Continuou mais um.

Mas a pior pergunta de todas foi:

-O que você acha das noivas, senhorita Andrade?

Eu fiquei em silêncio durante alguns segundos, boquiaberta, sem saber o que dizer.

-Elas duas são... muito apaixonadas. Eu me sinto honrada por ter trabalhado para Rafaella e Ivy, as duas foram muito doces, educadas e sempre muito prestativas. É muito mais fácil fazer o meu trabalho quando me tratam assim. -Respondi, mentindo.

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