Ultimato - Parte 2

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Bianca

Estávamos nós três sentados na pequena mesa de jantar na cozinha de Esdras, minha testa estava franzida enquanto eu tentava entender tudo o que estava acontecendo, me sentindo como uma criança pequena no meio de dois adultos ignorantes que nada são capazes de explicar. Minha mãe tamborilava os dedos nervosa e impaciente sobre a pasta preta que estava na mesa e Esdras me encarava de forma preocupada, esperando algum tipo de reação.

-Como vocês programaram isso tudo tão rápido? -Perguntei sem conter minha desconfiança e minha mãe rolou os olhos, visivelmente entediada antes de responder.

-O mérito é exclusivamente meu, felizmente não precisei programar nada porque o lugar mais propício em que pensei é habitado por alguns de nossos entes queridos. -Ela disse debochada e eu franzi o cenho.- A única coisa que Esdras fez foi arrumar os documentos falsos para que você saísse da Grécia em paz.

-Como você chegou aqui tão rápido? Como conseguiu entrar na casa de Esdras? -Olhei pra minha mãe e bufei e logo voltei o olhar para o meu amigo que parecia um pouco apreensivo.- E como você conseguiu documentos falsos de ontem pra hoje?

Era inevitável não desconfiar daquela história toda, era inevitável não desconfiar de algo em que minha mãe esteja envolvida por mais que suas intenções pareçam ser as melhores.

-O seu rosto, minha filha, estava em todos os anúncios de Nova York e era só ler a matéria inteira para saber muito bem onde você estava, peguei o primeiro vôo e bati na porta de Esdras, que me tratou como se eu fosse uma verdadeira megera, parece que você fala muito bem de mim para as pessoas. -Ela sorriu de forma falsa e forçada e eu me encolhi estranhamente envergonhada.- Pois bem, você não estava em casa e eu acabei por discutir com esse daí -apontou para ele com descaso.- e em vinte minutos de discussão, ele percebeu que eu pensava da mesma forma que ele, ambos queremos o melhor pra você e sabemos muito bem qual é a única alternativa para você se safar dessa sem sujar ainda mais seu rostinho bonito. Apenas decidimos para onde, Mykonos tem passagens para qualquer lugar do mundo quase o tempo inteiro e Esdras trabalha com Turismo, ele conhece esse arquipélago de cabeça pra baixo, documentos falsos não devem ser muito difíceis de se arrumar na ilha das festas proibidas, certo?

Acabei concordando porque fazia todo o sentido. Mesmo assim engoli seco, aquela situação não descia pela minha garganta e eu não queria aceitá-la, eu não queria fugir de novo, não quando Rafaella parecia estar tão segura sobre querer estar comigo, me sentia como se estivesse prestes à traí-la, mesmo sabendo que aquela era praticamente a minha única opção.

-Mãe... -Comecei meio insegura e ela arqueou as sobrancelhas para que eu proseguisse.- A senhora sabe que bom, hoje em dia todo mundo tem acesso à informação e... Rafaella é famosa no mundo todo, não tem como simplesmente desaparecer e...

-Na verdade, existem mais de trinta lugares no mundo completamente isolados das novas tecnologias de informação. -Ela disse com descaso e eu arregalei os olhos, quase me engasgando com a saliva. Lugares Isolados. Isolados. ISOLADOS!!!!!- Eu te mandaria para a Ilha de Páscoa, mas Esdras ficou com pena de você vivendo num lugar cercado de pedras e mais pedras e sugeriu Metéora, aqui mesmo na Grécia, mas o problema é que eu não sei mais a sua opção sexual então por via das dúvidas, não é viável que viva numa montanha cercada por mosteiros... Você lembra do primo Álvaro? -Ela perguntou subitamente e eu assenti.

Pobre homem. Álvaro é um primo de minha mãe que sempre foi muito chegado para os nossos lados da família, eu gostava muito dele quando era pequena e ele me dava os melhores presentes sem nem mesmo precisar de data comemorativa pra isso. Rico era pouco se fôssemos descrevê-lo, ele era dono de uma empresa parceira da Apple e vivia da tecnologia até ter um surto dentro de uma Apple Store, gritando feito um louco. Foi diagnosticado com esquizofrenia e sumiu do mapa com a esposa. Simplesmente sumiu. Eu nunca soube de seu paradeiro, ninguém nunca soube, é como se ele do nada tivesse parado de existir ao ponto da maioria das pessoas esquecer dele de fato e os poucos que ainda lembravam dele, o tratavam como uma pessoa morta, faziam o mesmo com sua esposa. Com o tempo outra pessoa assumiu a empresa até que a filha dele tivesse idade para tomar posse do patrimônio e tudo ficou por isso mesmo, ninguém nunca os encontrou.

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