Capítulo 5

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A primeira coisa que senti quando recobrei a consciência, ainda de olhos fechados, foi um aroma gostoso, cítrico. Não sei se vinha das nuvens, talvez do vórtice entre as duas dimensões, mas me agradava. Minha cabeça estava acomodada em um lugar macio, meio úmido, tão quentinho! Um lugar que se movia num ritmo constante, ora se aproximando de minha bochecha, ora se afastando, sem jamais se desgrudar totalmente dela, como uma caixa torácica. Respirei fundo, deixando o aroma inundar meus pensamentos. 

Foi quando concluí, chocado, que o aroma não vinha de nuvem nenhuma. 

Aquilo… meu senhor!… era perfume de homem.

Abri os olhos.

- Quem…? - Afastei o rosto bruscamente e, ao fazer isso, minha cabeça doeu, minha vista escureceu e as imagens saíram de foco. - Ah, não! 

Dor era decepcionante. Eu não esperava trazê-la comigo para o plano superior. Morrer tinha de valer de alguma coisa, no fim das contas. 

Mas então me lembrei do dr. Fugaku Uchiha, pai do Tobi e do Itachi, renomado cirurgião plástico, dono de um prédio de quinze andares, no centro de Konoha, onde funcionava sua clínica. O Dr. Fugaku frequentava casas espíritas e costumava dizer que o nosso corpo poderia demorar a se livrar daquilo que o matou, embora Hana Uchiha, sua esposa e socialite da cidade, não concordasse muito com a teoria kardecista. Mas, no caso de Hana, era perfeitamente compreensível. Ela devia ter medo, quem não teria? E se tivesse um ataque na mesa de cirurgia do marido? E se chegasse ao céu toda deformada e sem esperança de conserto imediato? Como se aqui na terra, ela já não parece uma boneca de porcelana sem expressão. Uma boneca feia, aliás, que coloca medo até no Chuck e na Annabelle. 

Sendo assim, talvez a dor na minha cabeça estivesse dentro do prazo de vencimento. Eu me acalmei e as imagens recuperaram a nitidez.

De repente, o motorista do Audi surgiu na minha frente. 

Era ele, eu não me enganaria. Suas feições bonitas adicionaram um balão gelado em meu estômago, seus braços, percebi, envolviam, desajeitados, a minha cintura, o que me levou a concluir que aquele lugar macio era o peito do sr. Desperdício. 

- Oi. - Foi o que ele disse, irreverente. 

Assustado, me desvencilhar de seu toque com um empurrão desnecessário, visto que seus braços não ofereceram resistência. Mas ele não se desculpou pelos acenos, beijinhos e o abraço, nada. Apenas alargou o sorriso sem sair da minha frente; estava perto demais para o meu gosto. Era um sorriso sarcástico na verdade, de quem nunca se sente arrependido ou finge não se sentir. Gostei disso. De certo modo, lembrava o atraente jeito Tobi de ser, presunçoso até não poder mais, como quando chamou o Kentaro de panaca depois de provar que meu primeiro beijo podia, sim, ser acontecimento especial. E como podia…

O sr. Desperdício esperou que eu respondesse, mas fiquei calado, apenas olhando, me perguntando se tínhamos mesmo morrido juntos, abraçados, nossas pernas entrelaçadas sob a van velha.

Eu não o conhecia, mas ele me parecia familiar… e não estou falando do fato dele ser petulante como o Obito. Petulância, qualquer pode ser. Mas sei lá, talvez fosse o carisma, só podia ser. Ele era carismático ao ponto de deixar uma penca de covardes à vontade sem precisar de uma palavra. 

Em mim, porém, o efeito era contrário, ele me deixava nervoso. Não preocupado, mas nervoso, como eu me sentia quando Obito aparecia atrás de mim na mesa que eu usava para esculpir e começava a brincar com o meu cabelo. Por que um cara tão gostoso quanto o sr. Desperdício me abraçaria antes de morrer? Será que minha trajetória de azar teria se invertido assim tão drasticamente só pela perspectiva do plano superior? Isso era animador, sem dúvidas. Um ponto para morte.

O Azar É SeuOnde histórias criam vida. Descubra agora