Capítulo 36

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Eram seis e meia da manhã de sábado quando papai terminou de carregar a van: caixas e caixas de arranjos florais cuidadosamente acondicionadas para a viagem de mais de uma hora até a Fazenda Vermelha. Puxou a porta de correr do automóvel e virou-se para mim, uma estátua ao lado dele. 

— Tem certeza? 

Eu era uma estátua inútil, aliás, como a maioria das estátuas que não se encontram em museus.

Ah, compreenda! As caixas de arranjos florais eram pesadas demais para mim! Ainda mais para alguém como eu, que havia acordado às cinco da manhã de outra noite mal dormida para ajudar sua família com os afazeres de última hora.

Ajudar moralmente, que seja. 

— Estou falando com você, Dei... Tem certeza? 

Era a milésima vez que eu ouvia a mesma pergunta.

A diferença era que agora, prestes a consumar minha decisão, metade de mim queria morrer e a outra metade afundava-se no confortável torpor do  conformismo.

Um enorme avanço, pensei, afundando-me um pouco mais, se há poucas horas eu queria morrer por inteiro. 

— Acho que já discutimos isso antes, pai. — Enfiei as mãos nos bolsos revestidos de flanela, desejando que papai entrasse logo na van e fosse embora, para que eu pudesse, enfim, sair do vento que me fazia bater o queixo.

Mas ele ficou lá parado, como se tivesse todo tempo do mundo para ouvir (de novo) meus argumentos “sem fundamento”. Só podia ser castigo por eu ser tão ingrato! 

Takeshi depositou o dinheiro dos móveis na minha conta e boa parte das minhas dívidas foi quitada.

Sai,  colocando a ideia do Tobi em ação, conseguiu dar o flagra em Kin e Chiisai NoDoi depois de surrupiar momentaneamente os celulares dos dois e enviar torpedos trocados: “Te encontro às quatro, no Arquivo Morto. Tô muito a fim”. 

Às quatro e dez, como Sasori me informou, Sai apareceu no Arquivo Morto, muito vivo e glorioso, acompanhada de todo o corpo diretor.

Kin e Chiisai foram demitidos e a FM Logistic reabriu meu caso em processo de averiguação. “Estou confiante”, disse Sasori.

Mesmo com as boas notícias, eu não conseguia sorrir. Garoto ingrato! 

— Vá indo na frente! — disse papai Kushina. Ela já estava sentada no banco do motorista de seu caminhãozinho (carregado com o restante das flores), e ouvia nossa conversa com franca inquietação. — Te alcanço na estrada. 

Ansiosa para assumir o comando da tropa de decoração que Itachi contratara para o serviço bruto (alocar cada arranjo em seu devido lugar antes de a cerimônia começar), Kushina nem hesitou. Buzinou duas vezes, manobrou e partiu.

Só um coração bondoso como o dela para não se aborrecer comigo, que tinha prometido assessorá-la no comando da tropa, ser seu braço direito.

E ali estava eu, um braço quebrado, atrasando o que já estava com os segundos contados. Quando o caminhãozinho virou a esquina, papai concentrou-se em mim. 

— Dei... 

— Alguém precisa ficar na floricultura. Estou apto para a função, como você mesmo reconheceu outro dia. 

— O problema não é você ficar sozinho na floricultura. É você ficar para trás! Nós já havíamos decidido fechar a loja hoje. 

— Eu não vou ao casamento — repeti, e mudei de assunto: — E você? Está levando os cartões de apresentação que imprimi? Com os novos serviços oferecidos pela floricultura? Hein, pai? — Fiz menção de adverti-lo com um leve chute no calcanhar, mas ele não estava para brincadeira e afastou o pé. — Não se esqueça de deixar um cartão em cada mesa. 

O Azar É SeuOnde histórias criam vida. Descubra agora