Capítulo 20

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Guardei o bilhete e saltei da cama, constatando, aliviado, que ainda vestia a blusa listrada e as calças com pontos de luz nos bolsos de trás. Acho que eu infartaria se o Cara tivesse trocado minhas roupas. Eu, todo mole, babando em cima dele. Ele, se contorcendo para se esquivar da baba e enfiar minhas pernas dentro do pijama de flanela surrado... 

Eu precisava dar um jeito de apagar os vestígios da noite anterior antes que papai chegasse de Kumogakure e me enchesse de perguntas. 

O que eu diria ao papai? Que depois de tanto tempo (depois do Obito, para ser mais exato), eu finalmente tinha conhecido um cara capaz de inflar o balão gelado em meu estômago? Capaz de me deixar maluco com uma história mais maluca ainda de que era cedo demais para me dizer o nome dele e que, por isso, não poderíamos ceder aos nossos desejos mais profundos? 

(E o que eu tinha visto naqueles olhos escuros, em sua boca de coração molhada e trêmula... Kami, era desejo, sim. E não só profundo. Era febril, ardente...) 

Ia dizer: “Sabe, pai, como dois adolescentes caminhando lentamente por um labirinto em chamas?” (Eu já vi isso em As Provações de Apolo. Não foi bonito.)

Dizer que seria impossível parar de pensar nele e na possibilidade de descobrir seu nome dali há quatro dias? Que tinha medo de entrar em combustão antes disso e morrer carbonizado? Ainda bem que a gente tinha um plano funerário! 

E eu ainda precisava pensar num programa que o surpreendesse. O Cara, não papai. 

Mas quando cheguei à sala, encontrei a cena do crime perfeitamente arrumadinha. Cada objeto em seu devido lugar. E na cozinha… 

Papai me esperava sentado à mesa. Então gelei. Ai, meu Kami! Fudeu. Papai voltou à cama para a posição de sofá, recolheu os copos americanos e os guardanapos!

Será? O que teria pensado ao ver a toalha de mesa destinada a ocasiões especiais? E as velas decorativas com aroma de tentação? Amedrontado, esperei pelo bombardeio de perguntas. Só que, mais uma vez, as perguntas não vieram. 

— Senta aí. — Indicou-me a cadeira a seu lado. — Comprei umas coisinhas gostosas para o café. 

Não sei se fiquei mais agradecido ou surpreso. Eu tinha me safado outra vez. Surpreso, definitivamente. E emocionado também. Não tinha sido papai... O Cara teve o cuidado de arrumar toda a bagunça, de livrar a minha barra, depois de me colocar na cama e me cobrir com o edredom. Teria ele beijado minha testa e sussurrado “bons sonhos”? Eu não duvidava. 

Ele era tão incrível que chegava a doer. Ou, no mínimo, a dar choque. Uma onda eletrizante atravessou o meu corpo. Quando percebi, era tarde para conter o sorriso. 

— Você parece melhor. — Papai me examinou. — Que bom. 

— É — respondi, sem conseguir parar de sorrir. — Estou melhor. 

— E dormiu com a janela da sala aberta. 

— Dormi? — Arregalei os olhos. — Ah, é... dormi... 

— O que a chave da nossa casa estava fazendo no meio do tapete da sala? 

— No meio do tapete da sala? 

— Bem na direção da janela. 

— Bem na direção da janela? — Minha garganta se apertou. — Sei lá, pai. Deve ter, hum... escorregado da minha mão... 

Kami-sama! O Cara deveria entrar para a NBA! 

— O elefante de louça espatifado no chão... — disse ele. 

O Azar É SeuOnde histórias criam vida. Descubra agora