Capítulo 22

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No estacionamento do morro Catedral, no centro da cidade, ele puxou o freio de mão. Nessa altura, tínhamos cantado quatro músicas inteiras, fazendo graça. 

Ora movimentando a boca sem emitir nenhum som, forçando ao máximo as articulações da mandíbula. Ora desafiando a garganta com agudos de perfurar os tímpanos e rindo de soluçar de como o som produzido lembrava a voz da Arianna Grande. Como dois adolescentes sem lei, à vontade na companhia um do outro. Como Obito e eu costumávamos fazer. Às vezes, na Língua do P. 

— P-não p-se p-me p-xa! — disse o Cara. Pulei de susto. Ele sorriu: — Vou abrir a porta para você. 

Seguimos pela ladeira, nossos braços se esbarrando vez ou outra. A descida fazia nossos passos apressados soarem como os de dois soldados marchando em cadência. A brisa fria não me incomodou, tinha o aroma do perfume dele. 

Na Avenida Souju, onde freios e buzinas abafavam os pequenos ruídos, viramos à esquerda em direção ao Parque Kawarama a fim de comprar pipoca na carrocinha em frente ao antigo prédio da prefeitura. Ao contrário de muitos outros parques urbanos, o Parque Kawarama não é cercado por grades de ferro. Por nenhum tipo de grade, aliás. Quando eu era pequeno e andava pelas ruas sentindo a mão de papai apertar e afrouxar a minha sem jamais soltá-la, eu não entendia por que tínhamos de atravessar o parque pela periferia em vez de pelo centro, mais arborizado e divertido. Também não entendia por que havia gente jogando damas nas mesas de concreto se papai vivia dizendo que, de segunda a sexta, os adultos trabalham e as crianças vão à escola. 

A correria foi desnecessária. O Teatro Central, de arquitetura art déco cor-de-rosa e amarela, patrimônio cultural de Konoha, ainda estava fechado quando chegamos, esbaforidos. Quer dizer, eu estava esbaforido, porque ele ainda tinha fôlego para correr uma maratona. O segurança nos informou que as portas seriam abertas em quinze minutos. O Cara olhou em volta, inspecionando. Inclinou-se para o meu lado e sussurrou:

— Alguém com pinta de terceira fila do meio? — perguntou, referindo-se às doze pessoas enfileiradas em frente ao teatro. — Câmbio. 

— Negativo — sussurrei de volta, cobrindo a boca. — Câmbio, desligo. 

Então relaxamos e resolvemos comprar duas garrafinhas de água na lanchonete da frente, passear um pouco pelos arredores do teatro e pelas barraquinhas de artesanato, que se estendem ao longo do calçadão da Rua Kiev, no fim das tardes sem chuva. 

Eis o coração de Konoha. 

Pedestres, apressados ou não, cruzando o tapete de pedras coloridas ladeado por construções históricas. De dia, o centro fervilhante do comércio. De noite, galerias frias e postes solitários projetando sua luz de um amarelo melancólico. 

— É sério, Bombinha. — Ele atirou uma pipoca na minha cabeça enquanto andávamos sem rumo pelos corredores da pequena feira livre. — Eu não entendo você. Por que não seguiu carreira de pianista? 

— Eu tinha contas para pagar. 

— Aos 17 anos de idade? — encrespou. 

— Era uma previsão. 

— Uma previsão que não deu muito certo, afinal de contas, você tem uma pilha de contas para pagar... 

— Obrigado por me lembrar. Mas já estou resolvendo esse problema. Consegui uma entrevista de emprego em Sunagakure. 

— Ah, é? — Ele jogou nossos saquinhos de pipoca numa lixeira cor de abóbora. Despejou o resto da água em nossas mãos, para lavar o sal e o óleo da pipoca. — Quando? 

— Na segunda. — Sacudi as mãos até secá-las. — Tomara que eu consiga a vaga. 

Retomamos a caminhada, prolongando aquele instante em que a gente espera tudo ao mesmo tempo: um trocar de olhares nada casual, um silêncio nervoso, duas mãos se esbarrando, hesitando... 

O Azar É SeuOnde histórias criam vida. Descubra agora