Capítulo 23

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Na sexta-feira, eu me sentia feliz demais para me irritar com as baboseiras da vida cotidiana. 

Sabe, essas baboseiras bobas que até uns dias atrás me fariam berrar um palavrão enorme ou soltar os cachorros em cima de uma vítima inocente. Mãe, perdoe-me por aqueles que maltratei! Eu continuava azarado, claro. O que havia mudado era a maneira de eu encarar tal fato. De modo que, quando a fatia de pão integral pulou do meu prato e se jogou no chão da cozinha com a “geleia light” para baixo, suspirei indiferente e comecei a rir. 

Quebrei a unha do mindinho limpando a sujeira e concluí que minhas unhas é que estavam compridas demais. Acabei aparando as outras nove. 

E no momento em que, cantando Britney Spears  no chuveiro, ouvi o telefone tocando, enrolei-me na toalha e disparei pela casa, escorregando no corredor. Quando pus a mão no aparelho para tirá-lo do balcão, ele parou de tocar e convenci a mim mesma de que, se fosse importante, ligariam de novo e eu atenderia quando pudesse. 

E teve aquele sujeito de cabelos brancos procurando flores para presentear o seu “broto”, nas bodas de cristal. Eu poderia ter dito a ele o quanto soava desagradável aos meus ouvidos essa necessidade que as pessoas têm de usar gírias de antigamente quando claramente é melhor não usar nenhuma (nunca apreciei a demonstração de intimidade alheia, essa coisa de “bem, benzinho, benhê, modi, mozão”). Poderia ter dito que o único broto que eu conhecia era o broto de feijão. 

Mas, em vez disso, sorri gentilmente, desejei felicidades e pedi que transmitisse meus votos a seu “pitelzinho”. Para finalizar a ilustração de minha feliz desgraça, no ponto de ônibus da saída do shopping pisei num cocô mole, o que levou um grupinho de adolescentes a dobrar seus corpos púberes de tanto rir. 

Em vez de erguer as três sacolas que eu carregava e socar com elas cada uma daquelas cabeças, eu simplesmente limpei o pé num montinho de grama e pensei com meus botões: “Alguém aí vai dar uns amassos amanhã? Não? Ainda brincam no chuveiro? Então riam de mim antes que eu ria de vocês”. 

É. Eu estava animado. 

E deve ter sido por isso que, no sábado de manhãzinha, depois de enfiar minhas roupas novas e demais essencialidades na mochila... Depois de descer para a loja a fim de me despedir de Kushina (papai não tinha voltado de Kumo) e esperar pelo Cara lá perto do campo de futebol, nem fiquei chateado ao atravessar a porta interna da floricultura e me deparar com Suzuki. Não fiquei muito chateado, melhor dizendo. Não imediatamente. 

Ela estava sentada de pernas cruzadas no segundo dos quatro degraus da escada dobrável de alumínio, balançando seu scarpin de bico fino. Para ser sincero, no primeiro instante, eu fiquei intrigado. 

Ué, gente... Desde quando bolsas Louis Vuitton saem de seus armários perfumados antes das oito da manhã de sábados nevoentos? Isso sem mencionar que, levando em conta as inúmeras e bem aplicadas camadas de maquiagem na cútis de Suzuki (que agora se abria num sorriso vermelho-hemoglobina para mim), a preparação tinha começado antes do cantar do galo. E o mais intrigante de tudo: o que aquela bolsa Louis Vuitton estava fazendo em cima do balcão da minha floricultura, afinal de contas? 

— Deidara, meu fofo! — Suzuki levantou seu esqueleto anoréxico para me abraçar e, claro, manteve a mão no meu ombro depois disso. A mão ficou lá. Mesmo quando sua dona precisou se inclinar, meio de lado, para recolher o lencinho xadrez, que estava protegendo seu traseiro do degrau da escada, supostamente emporcalhado com detritos de sola de sapato. — Como vai você? 

Ah, que maravilha... Eu tinha passado alegremente por um pão caído com a geleia para baixo, uma unha quebrada, outras nove aparadas, uma chamada perdida, um “broto” e um cocô mole. Mas aquela pegajosa irritante... 

O Azar É SeuOnde histórias criam vida. Descubra agora