Capítulo 12

44 5 0
                                    

Assim que abri a porta da cozinha, ouvi o barulho da televisão vindo da sala. E lembrei que precisava de uma boa desculpa pelo atraso.

Na noite anterior, eu havia ligado para avisar meu pai do temporal e do quartinho do tio Jiraya. Mas estava decidido a não contar do tiroteio. Seria cruel demais apavorá-lo se eu já estava ali, são e salvo, dentro de casa.

Apesar da gravidade dos fatos recentes, eu não precisava agir como daquela vez (a única vez) em que tirei 8,5 na prova de piano. Arrasado, sai correndo do auditório, peguei o celular e implorei aos prantos que papai fosse me buscar no conservatório, sem explicar a ele o que estava acontecendo antes da ligação cair. Vinte minutos depois, quando me encontrou vivo no saguão de entrada. Eu, minha pastinha de partituras e Tobi sentado ao meu lado, passando a mão no meu cabelo e dizendo que 8.5 era, sim, uma nota excelente. Meu pai me abraçou apertado e começou a chorar: 

- Nunca mais faça isso com o papai.

Aos 25 anos, eu podia superar sozinho qualquer trauma, não podia? Um tiroteio? Fichinha. Não seria tão difícil. Não depois do Cara, o trampolim que eu precisava para pular bem alto e ver além. Enxergar graça no simples fato de estar vivo. "O que passou, passou", ele disse.

Eu estava disposto a viver o presente e olhar para o futuro de forma positiva. Fazia tempo que eu não me sentia assim: livre do medo, aberto a jogos inteligentes de sedução, desejado pelo bom papo e não pelo que tenho dentro da minha calça.

Quanto a outros traumas, como minha tendência a ferrar com todas as boas oportunidades amorosas que me aparecia, eu devia ter passado mil vezes embaixo da mesma escada, só podia ser. Minha "maré de azar espanta gato" não era algo suscetível à banalização e ao costume. Como se eu pudesse me alegrar… "O Cara? Só mais um para aumentar minha lista de fracassos românticos, hahaha."

Ele não era mais um. Era engraçado, espirituoso, tocava violão, tinha um sorriso de dentes perfeitos e a altura ideal para que eu encaixasse minha cabeça sob seu queixo. Caramba! Ele queria me ver de novo! Mas a vontade não lhe mostraria o caminho da minha casa…

Deixei as roupas sujas na área de serviço. Minha cabeça não doía mais, embora o galo estivesse dolorido quando experimentei passar os dedos por ele. Aproveitei para lavar o rosto na pia do tanque, me livrando das provas mais evidentes. Com alguma sorte, e eu realmente esperava poder contar com a sorte dessa vez, papai não teria visto o noticiário.

Ou, quem sabe, o tiroteio tivesse passado despercebido em meio às notícias das Olimpíadas, que aconteceria dali a um mês. A guerra urbana em Kirigakure não era nenhuma novidade. Ou, pelo menos, nada que tirasse o brilho do nosso grupo de atletas concentrados em hotéis de luxos.

Entrei na sala escura sem fazer barulho, hesitando atrás do sofá quando encontrei meu pai deitado ali. O Noticiário.

Tudo bem. Não importava. Se ele tivesse visto a notícia do tiroteio, e daí? Eu ainda conseguiria me livrar disso, certo? Pensamento aberto, positivo e operante. Eu tinha diploma em administração de empresas, duas pós-graduações e uma experiência de quase morte. Não era um animal, por Rikudou! 

Acendi a luz e atravessei a sala, largando minha blusa e as chaves da van na mesinha de centro. Me sentei na banqueta do piano de armário e esperei.

Eu até poderia me safar do interrogatório enfadonho, mas não seria me arrastando sorrateiramente para o quarto. Papai iria me ver. Ele era Minato Namikaze, afinal de contas. Aquele que aconselhava as mãe dos meus amigos: "Como educar seus filhos com as rédeas curtas do amor sem que eles se revoltem contra você." É sério. Tudo que o Deidara adolescente desejava era ser um avestruz e enfiar a cabeça num buraco. Tenho certeza de que Hana repassava os conselhos a Mikoto, a babá de Obito e Itachi, a grande responsável pela boa criação que os dois tiveram.

Conclusão: eu teria de encarar meu pai. E, como nas ocasiões em que eu fugia escondido pela mansão DreamHouse a fim de ajudar Itachi em suas inesgotáveis tramóias para conquistar Kisame Hoshigaki, seu único e verdadeiro amor, a resposta já prontinha na ponta da minha língua: "Puxa é mesmo? Um tiroteio na Linha Reddo? Sorte a minha que passei pela Avenida Yagura. O tio Jiraya mandou lembranças". Só esperava que funcionasse dessa vez.

Mas ele só virou seu rosto magro na minha direção e disse: 

- Olha só quem está voltando para cara! Acabou a bateria do seu celular ou você não pagou a conta do seu telefone? 

- Oi pai - foi o que respondi, sentindo um jorro de alívio. Não pela piadinha com a conta do celular, que realmente estava atrasado, embora eu ainda tivesse alguns créditos para falar e usar Internet.

O que era ridículo. Sentir um jorro de alívio, digo. O Deidara adolescente é que se sentiria assim. 

Mas eu não me encontrava numa posição favorável para lhe fazer exigências, julgar seu comportamento anacrônico. Ele havia me acolhido de volta com todo amor e compreensão. Nunca acreditou que eu houvesse assediado Chiisai Noroi. Me ofereceu seu ombro amigo quando precisei chorar. Até me ofereceu ajuda financeira antes de eu mentir, dizendo que estava tudo sob controle, e agora eu tinha a bateria e o serviço do Satoru eletricista para pagar no cartão.

O Cara até insistiu em contribuir; queria pagar tudo, na verdade, inclusive a bateria e o eletricista, mas não aceitei, então ele pegou a gasolina e os três pedágios, o que foi justo, acho. Eu não tinha o direito, nem queria reclamar. Se estivesse vivendo sob o mesmo teto novamente, era razoável que eu mantivesse o meu pai informado dos meus passos. Na medida do possível. 

- Está tudo bem? - Pelo controle remoto, ele diminuiu o volume da televisão. Depois sentou seu corpo no sofá. Papai era magro de tanto carregar vasos de flores para cima e para baixo. Eu deveria seguir seu exemplo e não ter tanta preguiça de me exercitar. - Você demorou.

- É - eu disse, economizando palavras. - Demorei.

Ele esfregou o rosto. Depois me olhou com os olhos mais azuis que os meus. Os pés de galinha lhe roubavam um pouco do brilho de antigamente, evidenciado nos porta-retratos espalhados pela sala. Mas eram olhos infalíveis, como sempre. Olhos que não deixavam passar nada…

- O que aconteceu com as suas roupas? - quis saber. - E com o seu cabelo? 

- Ah - Levei a mão ao cabelo, dando uma rápida espiada no noticiário a que papai não estava prestando atenção. Imagens da Linha Reddo surgiram na tela. Então gelei. E desandei a falar: - Eu me molhei na chuva e Eiji me emprestou qualquer roupa que não fosse velha. Demorei a sair de Kirigakure. O tio Jiraya me entupiu de rosquinhas, me agradeceu pela coroa de flores. E depois foi o engarrafamento na Linha… Digo, na Avenida Yagura, você sabe. - Soltei uma lufada de ar, decidindo de repente pular a parte da bateria arriada. - Cansativo.

- Culpa do crescimento desordenado das cidades - disse ele - Eu vou te contar… O governo precisa dar um jeito nesse caso em que se tornaram as nossas ruas ou vamos assistir a um colapso geral não vai demorar. Eu só fico aqui pensando…

O Azar É SeuOnde histórias criam vida. Descubra agora