Capítulo 26

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Não uma única explosão de amor. Muitas explosões. Espaçadas por quartos de hora, horas inteiras, nem sei... Quando vinham, me roubavam a noção do tempo, entre espasmos de delírio; eu poderia ser engolido pela areia ao redor e sequer perceber. No instante seguinte, eu chegava a odiá-lo por ter me privado de tanta beleza durante dez anos. Eu não sentia fome, não sentia sede. Não conseguia erguer meu corpo da toalha, empurrar o corpo dele muito menos. 

Isto é um erro, eu lembrava a mim mesmo nos breves instantes de lucidez. O que estou fazendo? Comprando uma passagem de volta ao inferno?, pensava, mas não era capaz de tomar uma atitude,  de lutar pelo que achava certo. O que era certo, afinal? 

Ele morava em Londres. Eu, em Konoha, talvez em Suna muito em breve. Se ele estava ali de passagem, eu também estava. Eu tinha sido moralmente traído pela segunda vez em dez anos e finalmente compreendia o significado do peso que sentia em meu peito. 

Chamava-se mágoa. 

Ele precisava saber que mágoas não se curam com beijos e carícias. Eu precisava dizer isso a ele. Mas ele me beijava e não me deixava falar... Ele me beijava e fazíamos amor outra vez. Depois da explosão, me envolvia em seus braços e encostava a pele na minha o máximo possível. Ficávamos ali deitados, como se fôssemos as duas únicas pessoas do planeta. Eu podia senti-lo desde o meu peito nu até os dedinhos dos pés. 

Sentia seu coração acelerado junto ao meu já desacelerando... Ele espalhava beijos pelo meu rosto, sem pressa, o polegar afastando meus cabelos melados de suor, o peito se expandindo ao inspirar o meu cheiro. Às vezes, fazia isso e sussurrava:

— Sempre fui louco por você. Sempre, sempre... 

Eu não respondia. Era preciso responder? Além do mais, para palavras, eu não tinha fôlego. 

Quando meu corpo esfriava por dentro e por fora... quando a razão começava a recobrar seu espaço nos meus pensamentos, ele parecia perceber o perigo iminente e me envolvia com tanto carinho que me deixava amortecido. Me cobria com seu corpo e recomeçávamos com mais delicadeza do que da última vez. 

— Você é tão macio... — Roçou os lábios na minha orelha e prometeu: — Vamos fazer uma vez para cada ano em que estivemos separados. 

Eu duvidava de que fôssemos aguentar. Dez vezes? A raça humana não era capaz, era? Ele na certa esperava incluir nessa contagem (que eu enviaria ao Livro dos Recordes) as explosões que, na cabeça dele, continuariam acontecendo noite afora, na tal pousada no centrinho do Vale. 

Isso me daria chance, portanto, de em algum momento interromper aquela insanidade. 

Mas não agora... Agora ele não tirava os olhos do meu rosto. Ficava me observando com uma espécie de orgulho contemplativo pelo tempo que meu corpo levava para serenar. E então recomeçávamos outra vez. 

Acho que aconteceu depois da quarta vez. Ele rolou para o lado e esticou o braço para alcançar a cesta de palha. De dentro dela, tirou um cacho de uvas roxas, dois pedaços de pão de canela, duas maçãs, uma garrafa de água... 

Foi o bastante. 

Eu me sentei, meio grogue ainda, apoiando as mãos no chão atrás de mim. 

A areia branca refletia os raios de sol. Machucava meus olhos desacostumados. 

— Você não está com fome? — Ele me ofereceu um pacote de biscoitos Negresco. — É bom repor as energias.

Minha cabeça ainda rodava. Talvez por culpa do vazio em meu estômago. Mas fiz que não, recusando os biscoitos, e apertei os olhos com força, num esforço para clarear a visão e os pensamentos. 

O Azar É SeuOnde histórias criam vida. Descubra agora