Capítulo 28

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Fechei o registro do chuveiro e comecei a me enxugar. Quando terminei, espremi na palma da mão uma porção generosa de creme hidratante. Espalhei pelo corpo devagar.  Minha pele ardia. Parecia que eu tinha acabado de sair do banho, após um dia de sol e diversão na piscina do Distrito Uchiha. Daqueles em que eu ficava plantado com minha sunga lá onde a água chegava à cintura, assistindo a Tobi e Itachi brincarem de quem nadava mais rápido de uma borda a outra da piscina. Nem preciso dizer qual dos dois sempre vencia e depois provocava:

— Era por isso que eu não queria competir. Vem, Dei! Monta aqui nas minhas costas. Vou te levar pro fundo. 

Apalpei meu braço, observando uma mancha branca se formar na pele e se avermelhar gradualmente depois que afastei os dedos. Culpa dos quarenta minutos que eu tinha passado debaixo do chuveiro escaldante. Ora prendendo a respiração e apertando os olhos contra o jato de água quente, numa espécie de penitência pelo espetáculo do filho ingrato. Ora esfregando minha pele com o lado áspero da bucha, na impossibilidade de esfregar meu coração. Eu teria esfregado. Feito meu coração em pedaços. Teria reduzido-o a migalhas para não ter de carregar no peito um coração que batia por Obito  e apenas por ele. 

E, no entanto, sentada na posição de índio na cabeceira da cama, penteando os cabelos úmidos, eu me peguei sorrindo, devaneando sobre a tarde nas areias. Estremeci quando uma parte do meu cérebro, a parte mais estúpida, agradeceu pela água não ser capaz de levar as lembranças das suas mãos no meu corpo. Seu perfume em minhas narinas. Sua voz sussurrando “Sempre fui louco por você..."

— Dei? 

Sobressaltei-me com a batida na porta, como se flagrado tendo pensamentos proibidos. 

— Dei? Posso entrar? 

Endireitei o corpo. 

— Hum, claro! Pode entrar! 

Papai abriu a porta e entrou, meio de lado, equilibrando uma bandeja, que deixou sobre a escrivaninha. Espichei o pescoço. Sanduíche de queijo derretido e uma caneca fumegante cheirando a Nescau. Sentou-se na cama, apoiou os cotovelos nos joelhos e ficou lá, de mãos entrelaçadas, fazendo aquele movimento circular com os polegares enquanto olhava vagamente para eles. Seguiu-se um instante horrível de silêncio em que eu me senti como a Alice,  de Lewis Carroll, depois de tomar o xarope do encolhimento. 

— Filho, eu sinto muito — começou. — Pensei que você gostasse da Kushina. Ela me disse que você falou qualquer coisa sobre... 

— Pai — eu o interrompi. Deixei o pente de lado e segurei com firmeza as mãos dele, que pareciam frias na minha pele cozida em banho-maria. — Eu é que preciso me desculpar. Nada justifica o showzinho infantil, mas é só que... Estou meio aborrecido. Muito aborrecido. Mas não é com você, não. Nem com a Kushina. Eu gosto muito dela, muito mesmo, e não tinha o direito de descontar as minhas mágoas nela, de tratá-la daquela maneira. Onde ela está? 

— Foi para casa. Disse que amanhã conversa com você. 

— Ai, que vergonha, pai! O que ela vai pensar de mim? Será que me odeia por ter estragado o jantar? 

Ele riu. 

— A Kushina é incapaz de odiar alguém. — Riu de novo — E você, não é capaz de provocar ódio em ninguém. Amanhã você se explica. Vai ficar tudo bem. 

— Acha mesmo? — Mordi o lábio. 

— Tenho certeza — disse ele. — Mas e você? Vai me dizer por que está muito aborrecido? 

— Hum. Acho que não — bufei, infeliz. — É uma longa história. 

— Quando quiser... sabe que estou aqui,  não sabe? Sempre estarei. 

O Azar É SeuOnde histórias criam vida. Descubra agora