Capítulo 7

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Eu me joguei de qualquer maneira dentro da van, mas tomei o cuidado de deixar minha cabeça dolorida abaixada. 

- Eu dirijo! - disse ele. Quando não me movi um milímetro, acrescentou: - Chego pra lá! 

Me arrastei para o carona sem discutir. Trêmulo dos pés à cabeça, eu não tinha condições de guiar um volante ou mirar o pedal do acelerador em vez do freio, fora o galo que se formava no meu couro cabeludo e me tirava a concentração, que poderia diminuir mais ainda caso eu me visse no espelho retrovisor. Eu não queria me ver. Deveria estar pior do que Thor na primeira aparição dele em Endgame. É verdade que eu também tinha desistido completamente de me arrumar, para quê? Para ir à padaria da vovó Chiyo? Vaidade para quê? Para ver televisão com meu pai? Mas ainda tinha senso de ridículo. 

O sr. Desperdício teve de bater a porta enguiçada duas vezes para conseguir fechá-la antes de dar partida no motor capenga. Sei disso porque ouvi as batidas. Não tive coragem de tirar os olhos das minhas mãos, que eu esfregava e enfiava nos rasgos do assento marrom desbotado, agora encharcado de água e sujeira. Ele acelerou o dinossauro pela Linha Reddo. 

- Vai deixar seu Audi para trás? - Precisei gritar para me fazer ouvir acima do barulho do motor, que rugia feito uma máquina de costura gigante. Pelo modo como meu corpo era lançado em todas as direções, conclui que a van ziguezagueava por entre os quais resistiam, deitados no asfalto. - Ninguém pode abandonar um carro na pista, pode? 

- Sei lá! - gritou de volta. - É um tiroteio! Existe alguma lei numa situação dessas? A locadora não vai ficar feliz, nem o meu bolso, porque, claro, alguém vai ter que pagar por isso. Vai precisar de um guincho. Eu é que não vou ficar aqui esperando. 

E foi assim que escapei de um tiroteio na Linha Reddo a impressionantes 60 km/h, ao lado de um desconhecido totalmente gato, que não apenas dirigia a minha lata velha como espalhava dentro dela seu perfume cítrico. Detalhe: havia um Martin D-18 na bagagem. Seria inspirador se não fosse trágico. 

Kin teria ficado de queixo caído com minha recém-adquirida aptidão para investimentos de risco. 

- Você é tão conservador Diane.

Ao que eu respondia, pela milésima vez: 

- É Deidara. 

- Tanto faz! - respondia 

É claro que Kin não se refere a investimentos financeiros, porque nunca me sobrou um real para investir. Referia-se aos homens.

E às roupas que compramos juntos.

- "Blusa de flanela?" - dizia ela, arregalando os olhos para a minha cesta. - De novo, Diane? 

- O que é que tem? São confortáveis, não apertam…

- E de algodão ainda por cima… Nossa, que sexy! - ironizava.

Dá para acreditar? Nós saímos juntos para comprar roupas! O que deveria significar "amizade profunda", embora Kin mal soubesse meu nome direito. Eu só queria saber onde foi que as obviedades das relações humanas se perderam.

Mas não era porque Kin gritava palavrões no quarto ao lado do meu e tinha dormindo com o namorado no primeiro encontro, vestindo um fio-dental de oncinha que certamente feria suas nádegas, que eu tinha de fazer o mesmo. 

Não naquela época, pelo menos, quando eu tinha algum respeito pelas minhas partes baixas e não saia caçando margaridas em cemitérios por aí. Puta merda! E se o "bom pra você" de Eiji fosse me assombrar pelo resto da vida, como um castigo por meu impulso vergonhoso e nojento? Bem, era melhor não reclamar. Eu merecia castigos piores. 

Levantei a cabeça. Espera. Eu estava sonhando ou aquilo ali na frente era a placa para a Rodovia Yagura?

O Azar É SeuOnde histórias criam vida. Descubra agora