Capítulo 27

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Redondos e brilhantes como bolas de gude, os olhos do lobo branco se fixaram no meu rosto. Seu focinho pontudo se abriu devagar, revelando-me os dentes afiados: duas fileiras amarelas de instrumentos de perfuração, a língua cor-de-rosa pulsando molhada. Arreganhou os lábios. Talvez fosse de sua natureza sorrir cordialmente antes de trucidar garotos azarados. 

Então parou. Inacreditavelmente o lobo tinha parado de avançar, as quatro patas fincadas na terra seca a cinco metros de onde eu me encontrava. 

Ue, gente... 

Permanecemos imóveis. O lobo olhando para mim. Eu, morrendo de medo de tirar os olhos dele. Temia que, ao menor sinal de movimento, ele partisse para o ataque. 

Enquanto isso, meu cérebro trabalhava freneticamente. Pelo que eu me lembrava, o Land Rover atrás de mim não estava longe. Eu podia fugir. Sob meus pés, o terreno era esburacado e eu não poderia olhar para o chão se não quisesse desgrudar os olhos do lobo. O que não parecia promissor, mas a melhor opção entre a incerteza da queda e a morte garantida. 

Eu tinha um currículo profissional impressionante, linhas e linhas preenchidas com verdades e algumas mentiras, cinco páginas em fonte Arial, corpo 11. Mas não tinha diploma de gladiador. 

Odeio o Tobi, que me jogou nessa arena romana! Ele não acredita em fantasmas, não é? Mas, se eu morrer, juro que volto todas as noites só para puxar a perna gostosa dele! Vou assombrá-lo até que ele enlouqueça! Eu o odeio! Odeio! Um minuto. Eu pensei “perna gostosa”? Eu me odeio! Eu me odeio!  Muito bem. Hora de recuar. Com as pernas bambas, experimentei dar um passo cauteloso para trás. O lobo não se moveu, a não ser pela cabeça triangular girando no eixo. 

Então experimentei mais dois passos. A barriga peluda do bicho se inflou. Ele era bonito, eu não podia negar. Não sei exatamente o que me levou a abusar da sorte. Talvez o desespero. Ou burrice mesmo. Só sei que, em vez de manter o ritmo lento, acelerei e tropecei num buraco, me desequilibrando. Minhas costas se chocaram contra a dianteira robusta do Land Rover. 

— Ai! — gemi, levando as mãos à bacia. 

O lobo empinou as orelhas, os olhos se estreitando em duas fendas japonesas.

— Chhh, lobinho. — Abracei a lataria atrás de mim. 

Por que eu tentava amansar um lobo? Bem, já estava mais do que provado que eu tinha tendências estúpidas diante da morte. 

— Chhh, lobinho bonitinho. Quieto. Amigo, amigo... 

Mas, para minha infelicidade, o lobo não entendeu minha linguagem carinhosa. Devolveu-me um rosnado. E voltou a avançar, as longas pernas trotando com elegância. E um bocado depressa. Quando dei por mim, ele já estava correndo. 

Graças a Deus fui mais rápido. Entrei no carro e bati a porta. Com o corpo ereto e totalmente rígido, fiquei respirando aos golinhos, como aquela garota do Jurassic Park ao se deparar com o olho do T-Rex do outro lado do vidro. Itachi sempre cobria o rosto nessa cena e dizia:

Me cutuque quando acabar”. 

Depois de um tempo, estiquei o pescoço e espiei pelo retrovisor. O lobo subia pela trilha. Soltei os ombros, me sentindo aliviado por quase um minuto. E só. Porque de repente me lembrei de Obito. Ele estaria descendo a trilha naquele exato instante. E foi assim que, de uma hora para outra, o ódio despencou para um plano secundário e sua queda de cometa provocou uma urgência, seguida de uma vertigem. Toda minha emoção subitamente concentrada numa única certeza: Obito não podia ser atacado por um lobo que tinha armas no lugar de dentes. Obito não podia morrer. Eu não podia permitir. E não era por gratidão ao fato de ele ter me salvado do tiroteio na Linha Reddo. Kami, não era, não! 

O Azar É SeuOnde histórias criam vida. Descubra agora