Capítulo cinco

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Coisas para não se lembrar
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            Uma luz ofuscante. Era tudo que podia ver. Enquanto sentia uma dor aguda em diferentes partes do meu corpo. A luz parecia ser do sol. Vinda de uma janela talvez, mal sabia onde estava. Sem ao menos enxergar o que estava ao meu redor. A única coisa que tinha certeza era a da dor horripilante que me afligia naquele breve momento de consciência. Abrir meus olhos parecia tão ruim quanto a dor que rondava por minha cabeça, parecendo estar pesada. Sem motivo aparente. Agora parecia conseguir sentir outras partes; algumas doíam de forma tremenda, outras apenas estavam ali, me mostrando novamente que não tinha controle de meu próprio corpo. Tentando abrir novamente meus olhos, senti uma ferroada absurda em meu rosto, assim recuperei apenas parte de minha memória. Tentando continuamente levantar minha mão para tocar meu rosto, a única coisa que consegui naquele momento foi levantar minha mão direita, que imediatamente caiu de volta para onde estava, junto com a ênfase que meu corpo deu para a dor que vinha de outro corte no mesmo braço. Tentei me levantar ao menos um pouco, me apoiando em meus cotovelos, novamente sendo impedida pela dor, dessa vez em meu peito. Aceitei naquele momento que não conseguiria ir longe com minhas tentativas. Apenas parei de forçar meus olhos a abrirem, assim me entreguei ao cansaço que ainda sentia. Mesmo tendo acabado de acordar, não sei quanto tempo, mas não foi o suficiente.

            Memórias abstratas voltaram à tona. Não me recordo quanto tempo demorei para pegar no sono, mas me lembro de ter visualizado diversas coisas em seguida. Memórias ou apenas cenários tão traumáticos quanto. Chegando ao meu limite, acordei com um susto, levantando de uma vez acertando minha mão em meu rosto, em seguida o único sentimento que me assolava era a dor. Desespero também, especialmente por ter espetado minha mão com o que pareciam ser pontos em meu rosto. Cai de volta à cama como se não fosse nada. Minha cabeça batendo com força contra o colchão e travesseiro, acentuando ainda mais a dor de cabeça incessante. Agora, conseguindo levar uma de minhas mãos até minha cabeça, senti algumas partes de meus braços enfaixadas. Um espirro me tirou de meus pensamentos, fazendo com que outra vez a ferroada viesse à tona, em meu rosto novamente e próximo ao meu pescoço, do mesmo lado. Percebi que provavelmente a chuva me causou um resfriado, como se não fosse suficiente todos os machucados. Naquele momento a luz do dia parecia não estar mais adentrando o local, me levando a questionar se estava de noite ou apenas com janelas ou cortinas fechadas. Consegui abrir meus olhos, lentamente como se os mesmos estivessem grudados. Agora, podendo notar o meu redor, percebi que de fato não sabia onde estava. Parecia algo como uma enfermaria, mas pequena. Haviam algumas camas vazias no local, a que estava ao meu lado havia uma pessoa. Adaptando minha visão melhor, percebi que se tratava de Nifa. Arranjei alguma força para me levantar, indo arrastando meu peso até a cama que estava ao meu lado, notei que havia uma cadeira próximo a cama, consegui puxar a mesma, sentei-me ao lado da menina, que estava com uma bandagem enrolada em sua cabeça.

            Parecia estar dormindo pacificamente. Me culpei por um longo período de tempo, na verdade até mais do que pude imaginar. A única coisa que podia pensar era no que havia acontecido e se era muito grave; ela prometeu que voltaria em segurança. Levei uma de minhas mãos até a dela, segurando-a próximo ao meu rosto, senti lágrimas caindo em meu rosto, algumas caíram diretamente no machucado carimbado em meu rosto, ardendo como se cortasse ainda mais.
- Eu prometi falar, mas, você nunca teria paciência para ouvir até o fim. Mas eu confio tanto em você pra isso, que eu conseguiria ter coragem e força pra ao menos sanar sua curiosidade. - Disse à menina, como se ela estivesse consciente e ouvindo cada palavra. - Que eu era uma criança deixada pra morrer não é novidade. O que me trouxe as poucas habilidades que eu tenho foi viver em um mundo onde era olho por olho dente por dente. Pouco depois de Levi me ajudar e me salvar, fui tirada daquele lugar. Por um homem bom, generoso; ele era um médico incrível. Ele tinha duas filhas, nós crescemos juntas, mesmo que eu estivesse pouco à frente da idade das meninas. Elas provavelmente não sobreviveram ao primeiro ataque. Não tive coragem de voltar lá. Com esse segundo ataque eu mal quero pensar. - Comecei a explicar sobre a história medíocre que vivi. - Você já sabe da parte de que nunca tive ninguém, a única pessoa que pude contar agora tá entre a vida e a morte. Mas houve, de fato, outro alguém. Mais de uma pessoa, não posso negar. O conheci ao acaso, em um mundo ao qual não podia confiar em qualquer um, ele me ensinou que eu não precisava, de fato, ser tão dura na queda. Ele fez isso comigo. Fez com que eu me apegasse o suficiente pra não ter coragem de deixar a vida fluir, a fila andar e o tempo seguir. Desde a minha adolescência até um breve momento depois, eu tive uma mão calejada para segurar. A mão de um batalhador. O fatídico dia que pensei que seria uma boa ideia, seguido de outra péssima ideia fantasiada de algo bom. Eu confiei. Acreditei em suas promessas. Acreditei que ele ficaria comigo pra sempre. Me esforcei para entrar no exército porque queria estar ao lado dele. Por isso fui a melhor da turma, ele treinava comigo pra isso. - Um nó se formou em minha garganta, minha voz cada vez mais falha, e minhas mãos segurando cada vez mais forte a mão da menina. - Ele me ensinou palavras bonitas e difíceis, me ensinou tudo que sei sobre poucas coisas do mundo; O dia em que a humanidade acreditou que seria o seu fim. Esse dia foi o fim do resto de esperança que tinha em mim. O resquício de humanidade que tive a cara de pau de deixar que plantassem em meu peito. Naquele dia, tive minhas esperanças mortas junto com uma das pessoas que um dia se importou comigo, antes de todo mundo. Ele não chegou nem a agonizar, certamente nem sabia o que tinha acontecido com ele. A única pessoa que foi capaz de mudar a sombra que vinha atrás de mim, me perseguindo desde de que pisei nesse mundo horrendo pela primeira vez. - Pausei para respirar, agora com as lágrimas se misturando com o pouco de sangue que escorria juntamente. Olhando a mão da menina, continuei. - Sempre achei que não seria capaz de sentir alguma coisa depois do dia em que perdi tudo. Assim que me formei como soldado, fui designada a polícia militar, por falta de opção e por não ter escolhido nada, como já disse, fui uma das melhores. Não conseguia executar minhas tarefas e meu cargo estava cada vez mais correndo o risco. Assim me dispensaram, me disseram que eu era inútil e de fato, eu era e ainda sou. Não consigo fazer nada além de girar acerca de todos os problemas que já estão no passado. Eu mal consigo me lembrar do rosto dele, a pessoa que me salvou mais de uma vez. Não sei se foi o trauma ou se é minha mente me pregando uma peça. Mas, quando fecho os olhos e me concentro bastante, consigo sentir. - Pausei, me afundando ainda mais em minha postura, sentindo dores por todo o corpo, chorando como uma criança sem rumo. - Eu mal sei como conversar, normalmente os dois lados precisam estar conscientes. Me desculpa por não estar aqui por você do mesmo jeito que esteve por mim. Me desculpa por não ter te protegido, por não ter ido com você. Eu sempre fui fraca. O suficiente pra deixar que você sempre arriscasse sua vida. Me desculpa, Nifa. Por tudo. Eu não posso te perder também, você me prometeu... - Continuei chorando para a menina como um tratamento para dor.

Sinfonia de batalha - Hange Zoë x OCOnde histórias criam vida. Descubra agora