Capítulo 22 - Acrobata da dor.

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_____ Miguel Falabella _____

Ainda não sei como meus pés não marcaram o assoalho faz quase meia hora que estou andando em círculos, escrever um musical nunca é fácil, mas o resultado sempre vale a pena. Foco? Não me lembro como é ter isso, uma formiga me faz ficar encarando o teto por minutos, tudo parece mais interessante do que o computador.

Já sei! Me levanto e vou a estante, se a atenção para escrever não me vem, vou usar minha procrastinação para algo útil pelo menos uma vez, escolher uma poesia para o meu quadro no Instagram me faz velejar por esse mar de palavras que é a literatura brasileira, passando o dedo pelos exemplares algo me diz que Vinícios de Moraes tem algo a dizer ao meus seguidores pela manhã, puxo o livro, outro vem junto e vai direto ao chão sem me dar chance de pegar antes, por coincidência era de poesias também, quando cai, cai aberto em um poema em específico que me faz gargalhar, o universo gosta de me pregar peças, ou de furar as feridas que lutam para cicatrizar, eu querendo ler e meus livros também querem me falar.

Nada cairia melhor que esse poema, um simbolista, exatamente como eu estou, colocando símbolos para camuflar minha dor, alterando os sentidos das palavras que quero dizer.

- Eu não estou com saudade dela, eu só quero trabalhar. - Rio com a minha fala, como se trabalhando eu não estivesse com ela em meus braços nem que seja na ficção da nossa realidade de atores. - Ual me superei com esse pensamento, nunca me vi sendo tão controverso.

Encaro mais uma vez o livro no chão, se o universo quer me dizer, mas não tem voz eu lhe empresto a minha, apanho o volume do autor Cruz e Souza, com o poema aberto, Acrobata da dor e proclamo para as paredes do escritório.

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.

O palhaço sofre para fazer rir, mas nem sempre se fala dele, esse poema é tão profundo que por ser dessa escola literária usa o símbolo para esconder o real protagonista dessa obra.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta...

Coitado não para de pular, agonizando em sofrimento, ele está se machucando...

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! reteza os músculos, reteza
nessas macabras piruetas d'aço...

Ele não pode parar, o público pede, a vida pede, ele não pode parar, deve se fazer de forte, por pior que esteja, ele deve se superar, deve ser de aço.

E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.

R

ia sempre ria, tudo é melhor, o sangue já escorre e não para de pular, não para, está triste, mas não deixa de ser palhaço, então sorria o público pede isso.

Mas como que eu me identifiquei com essas palavras? Por ser comediante? Não, com certeza não, porque o palhaço esconde uma coisa por trás, esconde o verdadeiro protagonista desse soneto, o coração, o coração que pula, bombeia o sangue para me manter em pé e eu como público fiel quero que continue a saltar, mas ele está machucado, quebrado, e eu continuo a viver e a machucar ele ainda mais, o Acrobata que mora em meu peito salta com a gargalhada mecânica, ri por obrigação, já que está triste, se mantém no absurdo, no absurdo de amar aquela que só o machuca.

Nunca terminouOnde histórias criam vida. Descubra agora