Capítulo 23: alegoria da caverna

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_____Marisa Orth_____

Já no rio o mormaço do mar se faz presente, no táxi indo para a Gávea não quero conversar, apenas encaro o mar pela janela enquanto as pessoas correm na praia, vou vir aqui mais tarde para tomar um banho, tirar todo esse tormento que insiste em se emaranhar cada vez mais fundo na alma, alguns minutos depois o veículo para e o rapaz da portaria me vê com a mala e vem na minha direção.

- Bom dia dona Marisa, para a casa da dona Aracy né? Ela já havia deixado avisado.- Concordo, ele pega minha mala enquanto eu acerto com o motorista, ele me esperava no elevador.

Subimos direto para a cobertura e sinto uma nostalgia, no período do sai de baixo eu vinha mais na casa da mammy que na casa da minha mãe, Aracy tinha ido para São Paulo meses atrás para pegar os roteiros mas logo voltou, sempre muito ocupada.

Chegamos na porta e ele me entrega uma chave.

- Dona Marisa, a dona Aracy saiu e pediu para que a senhora se sentisse a vontade até que ela volte, foi resolver algumas coisas que precisava ser pessoalmente...- Ele puxa um bilhete e o estende para mim.- Já estava me esquecendo, ela mandou estregar isso também.

- Obrigada meu querido.- Ele sorriu e vai de volta para a portaria.

Entro no apartamento a mesa está com um lanche, eu sorrio pelo cuidado, não sei onde por a mala então deixo ela perto da porta e me sento no sofá, com o bilhete em mãos vejo as palavras escritas com delicadeza.

"Oi Marisa minha filha de coração, a Mammy teve de dar uma saída, mas pedi para passarem na feira e deixarem alfafa fresquinha para você a mesa..."

Olhei na direção da mesa e vi um bolo, uma garrafa de café com uma xícara e um pratinho, prontos para que eu me servisse, mas retomo a leitura.

"... não coma muito, o almoço será servido em breve, a empregada foi comprar algumas coisas e provavelmente não estará ai quando chegar, mas brincadeiras a parte, sinta-se em casa, em cima da mesa esta uma chave, é da segunda porta seguindo o corredor, leve sua mala até lá, tome um banho, coma, antes do almoço eu já terei chegado para matarmos a saudade, mesmo que façam apenas alguns poucos meses que nos vimos.

Um beijo da sua Mammy."

Sorri para o bilhete e fui pegar a chave sobre a mesa, e levei uma fatia de bolo junto, cuidando para não derramar farelos, eu poderia ter levado lá e voltado para comer? Sim! Mas não... eu vivo perigosamente. Aqui na casa da Aracy eu começo a agir como criança, ela sempre vai ser a Mammy que o tablado me deu.

Volto para a mesa posta e vejo o café, me sirvo e vou para a sacada e me perco com os carros passando na rua, tanto que a bebida que saia fumaça esfria em minhas mãos, me perco em tudo que está acontecendo na minha vida, onde tudo foi e sumiu no mesmo momento, onde eu era a pessoa mais feliz do mundo e tudo foi tirado de mim como se eu vivesse em uma gigantesca ilusão, somente uma venda me cobria os olhos e eu me negava a enxergar ou somente tivesse com medo de ver, tal qual um dialogo filosófico, a Alegoria da caverna de Platão, onde eu vivia em uma caverna que é a minha cabeça era isso que eu conhecia, porém foi me mostrado um mundo novo fui liberta por um par de olhos azuis que me mostrou a vida de outra forma, mais ampla, onde o céu era o limite, onde eu conheci o verdadeiro significado de amar, mas, a caverna me dava a segurança e eu vi que era melhor eu ficar lá, renegando o mundo lá fora por que como o céu é o limite percebi que não sei voar, ou melhor não fui feita para isso, minha caverna é segura, não é tão bela como o céu que ele me levava, mas ao menos nunca foi uma fachada e não me fez chorar, não ao menos tanto como ele.

Nem percebo o tempo passar, só percebo que não estou mais sozinha no apartamento quando uma cadeira arrasta atras de mim e me viro para encarar e lá está ela, a musa, Aracy Balabanian, fofíssima com algum de seus conjuntos, combinando como sempre, os cabelos curtos e loiros penteados para trás, ela não diz uma palavra, somente se senta e me estende os braços, eu sem ter como recusar o que mais queria naquele momento me joguei em seus pés,  me sentei no chão e a abracei pela cintura, ficamos lá, ela acarinha meus cabelos fazendo com que eu deite a cabeça em seu colo, ela viu em meu semblante que tudo que eu precisava aquela hora não era algum concelho, eu só precisava de alguém que me conhecesse e sem falar nada já soubesse de tudo. 

Nunca terminouOnde histórias criam vida. Descubra agora