Capítulo 16

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Estava estranha, algo parecia me prender no Uber, eu não conseguia sair, já havia acertado com o rapaz, que a essa altura só me esperava deixar o carro para seguir a outra corrida, minha mão tremia na porta, sensação que eu deveria mandar ele me levar para casa mesmo que cobrasse bandeira 2, não entendo o porque, o céu continuava cinza, havia escurecido mais, aquilo não me fazia bem, não sei porque estou com medo mas abro a porta e agradeço ao rapaz que se vai.

Na portaria o porteiro já me conhece como namorada do Miguel, mas ele me olha apreensivo quando chego para pedir que abra a porta de vidro.

- Boa tarde!- sorrio para ele, que retribui um sorriso amarelo.

- Boa tarde dona Marisa, eu não posso deixar a senhora entrar.- ele diz medindo as palavras, meu semblante muda, eu fecho qualquer emoção.

- Como assim não pode me deixar entrar, sem nem interfonar a ele, você sabe para onde vou, ele pediu para que não me deixasse subir.- encho o rapaz de perguntas sem dar tempo a ele responder.

- Foi a dona Zezé Polessa, ela passou e pediu para que não deixasse a senhora subir.- meu sangue ferve.

- E o Miguel não falou nada? Quando ela falou isso?- eu fico com o rosto praticamente colado no vidro minha respiração já está ofegante.

- Ela disse por interfone a mais ou menos umas duas horas, e complementou que não fossem incomodados.- meu coração acelera, eu perco o chão.

Respiro fundo, começo a mexer na bolsa, até que pego um molho de chaves, e mostro a ele que era do portão de carros do condomínio.

- Dona Marisa, a senhora não pode entrar, muito menos por lá.- ele tenta sair mas por uma sorte minha a porte resolve emperrar pela força que ele puxa para abrir e me conter.

- Se você chamar a segurança eu vou armar um barraco que aí vai lhe causar problemas, com o Miguel e com a Zezé eu me resolvo.- saio para a entrada de carros e desço para o subsolo, o carro dele está lá, vou ao elevador e pressiono a cobertura.

Tudo começa a ecoar na minha cabeça, o amor, o Dalua me dizendo que eu seria trocada na primeira oportunidade, que o Evandro sempre me dizia que eu traia ele com o Miguel, e que isso foi o pivô do fim do nosso casamento, não foi a vagabunda que ele levou pra nossa cama, foram os beijos do Caco e da Magda, Dalua gritando que sou uma vagabunda, que o Miguel envenena nossas relações, que eu trabalho demais, não sei dar amor, não sei receber amor, tudo isso faz minha cabeça girar, eu estou desconfiando do amor da minha vida, pelas paranóias que puseram na minha cabeça, mas por que eu não podia entrar, a duas horas a Cris recebeu a mensagem, a duas horas foi avisado para não me deixar entrar e não incomodar, porque? Eu já vi novela de mais, tudo tem o casal protagonista e a vilã ou o vilão que tenta separar, nesse caso é uma vilã ruiva que está sendo a verdadeira diaba ruiva que tumultua meu relacionamento.

A porta abre, lá está o apartamento dele, levo a mão ao trinco mas ela para no ar, trêmula, medo, medo de todas as lembranças e felicidades serem destruídas a um virar de chave, mas o ar se faz ausente meus olhos se fecham e abro, seja lá o que me aguarda.

Sala iluminada pelas persianas abertas, o céu parece mais escuro, algo chama meus olhos, uma camisa de seda vermelha jogada no sofá e o par de scarpin jogado, como se fosse tirado as pressas, pego a camisa o perfume forte, não era doce era o perfume dela, o sapatênis estava na beira da porta sempre muito bem organizado.

Mas a camisa, porque a camisa, tiro meu calçado, deixo minha bolsa no sofá e em passos lentos adentro ao corredor, silenciosa, a porta da suite principal está entreaberta, na pequena fresta os cabelos ruivos espalhados pelo meu travesseiro a pele clara da demonia está coberta por uma coberta até grossa, somente de sutiã, dorme calmamente, ao seu lado quem eu já sabia, estava sem camisa com a tatuagem que eu fiz questão de passar o dedo por cada traço exposta, espalhado na cama com a coberta lhe cobrindo o quadril.

Meus olhos se enchem de lágrimas eu me viro e saio, novamente trocada, a 17 anos fui trocada por uma loira agora por uma ruiva que já estava na vida dele a mais tempo que eu, eu não sou especial, eles já moraram juntos por anos, e eu só trabalhei, como sempre, trabalho e trabalho, isso se resume minha vida.

Pego meu calçado e vou para o elevador descalça, segurando minhas lágrimas que nublam meus olhos mas conforme a caixa de metal desce os andares tudo desce junto, ele está me levando para o meu destino o fundo do poço.

Chego na portaria, o porteiro ao me ver descalça chorando vai ao meu encontro.

- Dona Marisa, a senhora não está bem, venha tomar um copo de água.- ele me conduz a salinha da portaria, me sentando no sofá.

Não tenho foco, não tenho norte, ele apenas me entrega a água e eu continuo olhando para frente sem rumo, ele conduz o copo a minha boca eu sinto o líquido gelado passar, mas a imagem está gravada, eles lá, está apenas se repetindo, eu sendo traída mais uma vez, o porteiro pega o interfone e chama alguém eu não faço ideia de quem seja, até que um rapaz de terno preto chega na portaria.

- Dona Marisa pedi para o Rafael te levar para casa, a senhora ainda não está bem.- Reconheço o rapaz é o motorista do Miguel, eu nem argumento, ele me estende o braço e eu aceito não estou quase parando em pé estou completamente desestabilizada.

Ele pega meus sapatos das minhas mãos e me ajuda a entrar no carro, não digo uma palavra ele apenas me leva para o condomínio, chego lá, ele me deixa na porta mas se sente no dever de me deixar na porta de casa, então me estende a mão para sair do carro e me acompanha prédio a dentro.

- Dona Marisa vou te levar até seu apartamento.- não digo nada apenas vamos andando, já no elevador.- seu andar?

Eu estendo a mão e pressiono o botão e subimos, sem nenhuma palavra, o turbilhão de sentimentos vem de novo, meus olhos inundam, meu coração aperta, as lágrimas saem como cascata e Rafael não sabe o que fazer ele me abraça, aí eu desabo de vez, me sentia vazia, sozinha, a porta soa o sinal chegamos ao meu andar, tiro a caneca do seu ombro, nunca desmoronei assim na frente de ninguém, vamos andando até meu apartamento, quando antes de chegar a porta abre João está saindo.

- MÃE?!??! O que houve?- ele vem até mim.- quem é você?- questiona o rapaz comigo.

- Sou Rafael, motorista do Miguel Falabella.- escuto o nome e abraço o João que quase perde o equilíbrio pois eu me jogo em seus braços.-Dona Marisa vejo que está em boas mãos agora.

- Obrigada Rafael.- João agradece o rapaz que vai e ele me leva para dentro de casa.

- Mãe o que houve?- ele se sente comigo no sofá.

Mas minhas lágrimas não me deixam falar, ele entende agora não é hora de conversar.

Nunca terminouOnde histórias criam vida. Descubra agora