Capítulo 29: Penhasco

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______Marisa Orth______

Estar ao lado dele nessa noite era tudo que eu menos esperava, me trouxe ótimas lembranças, a leveza que os olhos azuis transmitem, os mesmos olhos que me faziam acordar a noite e chorar, agora eles me farão dormir, nossas risadas soam tão bem... nós  dois nessa sala falando coisas ridículas em frente a uma das maiores damas da TV e do teatro, a intimidade.

-Mas sempre demos motivos.- solto a frase logo depois dele comentar que o Tom vai nos incomodar durante as gravações, pela nossa situação, o Tom é o legitimo que perde o amigo mas não perde a piada.

Miguel me encara surpreso pela minha frase, mas antes que pudesse responder meu celular quebra a bolha que estamos, pelo toque tiro ele do bojo, onde estava desde que entrei no carro dele para voltar para  a casa da Aracy, ao ver o visor, meu sorriso pela conversa diminui, tudo que eu não queria era isso agora.

- Eu preciso atender. - Levanto e saio antes que pudessem perguntar, já no quarto entro e encosto a porta, respiro fundo e atendo.  - Oi amor.

Ele me pergunta como estou hoje o que fiz... Respiro fundo. -Fiquei com a mammy.

"A Aracy que te aguente o dia todo- Ele riu leve- Que bom que está tudo certo."

-Sim ta tudo certo, tudo nos eixos.- Sorrio.

"Mas você não foi passear hoje, dar uma voltinha na praia?"

-Não.- Eu não vou falar, eu deveria, mas... Não vou dar motivos para ele começar a ser como antes, eu vou me controlar, deixar as coisas baixarem, eu e o Miguel voltamos a ser amigos mas não vai ser como antes.

"Que não seco amor."

Ri para disfarçar.- Desculpa amor, eu fiquei aqui com a mammy o dia todo, mexendo na  caixa de fotos dela, queria descansar a varanda dela é uma delícia.

" É vocês estão fazendo o que agora?"

- Eu to aqui no quarto, ela ta com um amigo lá na sala deixei eles a vontade.- Vejo um livro na minha mesinha de cabeceira, o livro que ela leu para mim hoje, eu estou entrando em um mar de mentiras. -To lendo Clarice aqui -Ri-.

"Hummm ela esta com visitas, você conhece?"

Fico pensando em uma resposta, mas sou rápida antes que ele note que estou pensando. - Ai eu  vi que tava subindo visita eu já sai, eu não vou ficar me metendo -Ri- Eu estou de penetra aqui, privacidade.

"Ata, é que eu achei que estava lá com eles, demorou pra atender."

-Meu celular estava carregando e eu estava lendo, até eu ir lá pegar, minha perna dormente quase não me deixa levantar. - Ok eu preciso fazer um espetáculo de improviso, ou só estou treinando para o bate bola do sai de baixo.

"Entendi -Riu- Mas...". Vejo a porta abrir devagar, ele continua falando mas deixei de prestar atenção quando vi quem estava por de trás do batente, Miguel sorri leve e acena como se se despedisse.

Não posso deixar ele ir assim, ele se vira para ir, estralo os dedos repetidas vezes, seu olhar se volta para mim novamente, peço para ele esperar com a mão e ele fica. 

- Só um pouquinho, um minutinho...- Digo ao celular e o deixo na cama e vou até ele e colo nossos corpos sinto a areia em mim quando seus braços circulam minha cintura, os abraços de sempre, nada além do puro toque. - Obrigada, pela carona, pela conversa, até pelos gritos de hoje.- Sussurro e sinto ele sorrir no meu ombro e nos dois apertamos mais o abraço.

- Por nada. -Sussurrou de volta e riu leve. -Até. -Ele afrouxa os braços e faço o mesmo, mas não o solto, olho nos seus olhos.

-Até. - Me solto. - Vou voltar lá. - Ele concorda com a cabeça, o vejo sair como se ele levasse minha alegria. Olho sobre a cama o celular aceso me esperando voltar, o que vou dizer? O que mais vou inventar, para não dizer que acabei de abraçar o Miguel Falabella no meu quarto, depois de agradecer por gritos, um riso contido escapa, se isso fosse contado o Dalua vinha de São Paulo até aqui caminhando só para tirar essa história a limpo.

Balanço a cabeça em negativa, por que tudo tem que ser tão difícil, volto a cama e me sento, pego o celular. -Oi amor, voltei, a Aracy veio me falar que a visita dela já foi embora e está me esperando para jantar, vou lá tá.- Torço para que ele acredite, só quero ficar sozinha agora.

"Tudo bem amor, boa noite já então."

- Boa noite, tchau.- Desligo, o vento a janela aberta bate nos meus cabelos que estão com o sal do mar, escuto a porta da sala fechar, ele foi, ele me trouxe a paz de novo e já foi levando de volta, ele poderia ter ficado para o jantar... Mas será que ele sabe que eu estava falando com o Dalua? Que pergunta óbvia Marisa, claro que ele sabe, se fosse qualquer outra pessoa eu não sairia de lá, será que ele falou de mim para a Aracy?  Será que se eu sair daqui a Aracy vai me julgar por algo que ele possa ter dito, mas será que ele diria algo? Eu acho que não, mas se falou, o que disse? Eu não fiz nada, eu acho que não fiz nada, ele chorou? Por mim? Ele na praia disse tantas coisas, que quem traiu fui eu, mas a cena que vi, aquilo era uma cena que poderia ser exatamente o que eu pensei, mas e se foi e ele está me manipulando, não ele não faria isso, se bem que... Eu não sei de mais nada, meus olhos estão secos. 

Nem as lágrimas me querem, já fiz tanto uso delas, tantas noites a fio, elas foram minhas mais fiéis companheiras, mas agora não consigo nem chorar, eu não sinto mais raiva, não temos como sentir raiva depois de tudo que houve na praia, eu sai daquele barco de volta para a minha canoa antiga, eu pulei do penhasco que era a minha vida, ele me ajudou a levantar e me empurrou de novo, eu aprendi a levantar sozinha, não eu não aprendi, eu voltei ao lugar mais acomodado que conhecia, eu tentei não chorar todas as vezes que ia para a cama com um pensando no outro, mas se ele me chamar que eu vou, tive a prova agora, eu tive que correr para os braços dele para dizer o breve adeus.

Eu estou na luta diária de desaprender a amar, mas ele faz isso, volta, ele aparece, tudo é dolorido, mas agora? Agora a dor é maior, a proximidade, ele está comigo, por que ele faz assim? Ele chorou eu sei, eu sei que chorou não sofri sozinha, mas esquecer nossa história, isso doeu mais que todos aqueles dias que acordava no meio da noite vendo que não era ele que estava comigo dividindo os lençóis, tínhamos tanto futuro juntos.

A Magda dizendo que ama o Caco, vai ser meu alter ego gritando o que minha alma transborda, ele me conhece por todos os lados, sabe o tanto que tive que renegar meu racional para cair naquele colchão, naquela tarde chuvosa, depois do almoço, do banho de chuva, do carinho nos meus cabelos, depois de tudo, tudo.

Talvez eu esteja me torturando, para criar a redoma de novo, mas isso me enfurece, ele destruiu a barreira, aquele abraço a poucos minutos, ele chutou todas partículas de poeira que restavam entre nos dois, nossa alma conversou, trocaram as mais profundas palavras durante aquele abraço, eu poderia ter ficado lá para sempre, não reclamaria, mas nosso amor sempre foi motivo de holofote, somos emoldurados, um sorriso um flash, um toque uma matéria, é tão pesado esse fardo, que tem horas que o anonimato seria melhor,  mas minha vida é o palco, não tenho escolha, não tenho chance, somos os focos, nada mudaria isso.

Até tento colocar a culpa nele, lembrar o que passei, mas... Não adianta mais nada, nada mesmo, já pulei, já cai, já estou em pé, querendo ou não o universo faz questão de nos manter juntos, eu tento fugir, mas não posso escapar, não da mais para fechar os olhos, não é mais uma opção. 

Conversamos, agora está tudo claro, meu corpo tomba, o edredom macio me aconchega, não tenho por que chorar, a magoa não vai voltar, meu ódio não vai voltar, mas a dor fica... não nem ela está mais aqui.

Ele está distante, mas tudo vai voltar, eu e ele, não consigo segurar o sorriso que insistiu em brotar fino em meus lábios, mas não eu não vou, não vou, não sou mais refém desses malditos olhos azuis, malditos... De que adianta eu pregar esses rótulos? 

Levanto da cama e vou para o banheiro, tiro as roupas vendo os pequenos grãos de areia colados na minha pele, passo as mãos nos cabelos, mas fora de questão passar os dedos entre eles, estão completamente ressecados pelo sal, entro no chuveiro, minha paz está lá, espalho a espuma, o cheiro do sabonete de lavanda me inebria, a macia esponja me massageia, tento esquecer, tento me entreter, mas nada me faz esquecer aquele abraço, aqueles olhos, eu encarei ele, me perdi por um segundo, só queria me perder por mais um, quem sabe dois, quem sabe todos...

Nunca terminouOnde histórias criam vida. Descubra agora