_Marisa Orth_
Acordo me mexendo devagar, sinto o perfume dos cabelos dele, meu interior diz para me aconchegar naquele abraço solto, mas eu não consigo, se eu ficar não terei coragem de sair depois, ver ele acordar e dizer tchau, deve ser por isso que eu acordei mais cedo hoje, o que não é o costume.
Respiro fundo e beijo de leve os lábios entreabertos e meus dedos insistem em fazer um carinho que me tortura, mas sou forte saio da cama e recolho minhas roupas vestindo enquanto olho para ele que dorme profundamente, saio do quarto mas meus olhos batem no escritório, não posso simplesmente sair e deixar essa noite sem uma justificativa e pego um rascunho sobre a mesa e me sento lá para escrever nem que seja um bilhete justificando minha ausência.
Não sei o que depositar nesse papel, que não seja desesperado, não seja seco, não seja... completamente apaixonado. Não, foi uma despedida ao que vivemos, selamos tudo que sentimos porque nos machucamos demais no processo de amar.
"É você disse e eu não acreditei, os cacos de coração jogados no colchão, rolamos em cima, nos cortamos, mas só vi os meus machucados quando acordei e te vi dormindo ao meu lado, não quis te machucar também por isso fui embora.
Nos vemos na segunda... Caco.
Beijos Marisa/ Sua Magda."
As palavras na caligrafia preguiçosa, antes de escrever uma carta deixo um singelo bilhete, meus olhos passeiam sobre os livros, as prateleiras, os rascunhos com letras rápidas para não esquecer as ideias, ele carregava esses bloquinhos para todos os lugares, anotar piadas, coisas que ouvia na rua, sussurros apaixonados... ri lembrando de um dia que ele me disse um a muitos anos e puxou o bloco e anotou alegando que aquilo era muito bom e iria usar em algum espetáculo, anos depois eu mesma disse enquanto fazíamos uma peça.
Pego o pedaço de papel e retorno ao quarto, dormia exatamente igual, deixo o bilhete na mesinha sobre algum livro dos muitos que estavam lá, levo a mão para acarinhar o braço dele, mas ele se mexe, contenho a mão antes do toque, foi um aviso, não mexer nele, não vou querer acordar e me despedir, vou permanecer na covardia e fugir, como fugi a meses atras, como estou agora e como vou continuar.
Recolho tudo que é meu e saio fechando meus sentimentos junto com a porta.
Já no táxi começo a pensar no bilhete que a essa altura eu nem me lembro direito o que escrevi, mas o final sim, "sua Magda" inveja dela, inveja por ser dele, sem medo de amar, sem medo de sentir, não precisa esconder, rio pensando, ela nem consegue esconder, ela pode fazer o que quiser, sem consequências, sem medo de ser feliz, já que ela só se sente feliz, coração puro demais para sentir qualquer sentimento ruim, ela pode fazer o que quiser.
São anos assim indo e voltando, esse limbo lindo e perigoso demais, sempre presos e amarrados um ao outro, poderia acabar, poderia deixar ir, mas estamos atados um ao outro nem por nós, mas pela nossa carreira, nossos personagens, tudo, até nossa família, a família dele pede por mim e a minha igualmente, meu filho completamente apaixonado pelo "tio", não dá para quebrar esse laço.
Não me arrependo nem um pouco de ter vindo passar a noite com ele, se ele chamar eu estarei lá mesmo que seja contra minha vontade, sempre foi assim e sempre foi mutuo, rio leve no táxi, estou indo embora mas sei que não é definitivo, posso tatuar na minha testa que não devo fazer isso mas meu corpo me trai, ele tem vontade própria, estou presa e condenada a sentir.
Chego no prédio da Aracy acerto e subo, são quase 7 da manhã, vejo a mesa de café posta, converso com a cozinheira, e a senhora Balabanian acordaria em minutos e espero ela a mesa para comermos juntas, e esperar o silencio dela esperando que eu fique confortável a falar o que aconteceu, como ela sempre fez.
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Nunca terminou
RomanceA vida é um ciclo, a minha não é diferente mas tudo pode mudar mas o homem que nubla meus pensamentos sempre é o mesmo, anos de parceira resumido uma amizade que passou por altos e baixos e cores e tons de cinza, mas ele nunca saiu do meu lado. Alto...