Capitulo 12: Conversas Sinceras

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Cornell se sentou para que Arved, seu criado de quarto, ajeitasse o medalhão dinástico em seu peito.
Ele havia feito isso na sua coroação também.
Aliás, esse era uma rotina conhecida por todos do castelo. Em qualquer ocasião  em que o rei precisasse se arrumar oficialmente seja para uma festa ou uma guerra, ele ficava a sós com Arved.
O velho criado o acompanhava desde os 11 anos de idade, e durante muitos momentos, o homem-bom aproveitava quando estavam a sós para o aconselhar, lhe relatar as falações palacianas, e lhe instruir em situações e pessoas que devia prestar atenção.
Cornell confiava sua vida nele. Havia passado mais tempo com Arved do que com seu próprio pai.
-Nervoso, Vossa Majestade ?
Enquanto Cornell colocava a grande espada de guerra  na bainha ao lado do quadril, ele olhou para Arved sério e compenetrado.
-Há coisas na vida, meu velho, que não podemos escapar. Casamento é uma delas.
Arved sorriu e colocou o manto de pele nos ombros largos de Cornell.
-Vossa Majestade será feliz com ela. A futura rainha sorri com os olhos, meu lorde, já percebeu?
Cornell parou. Sorri com os olhos?
-De onde você tirou essa ideia Arved? Nunca ouvi essa expressão em toda minha vida.
O criado abriu um largo sorriso.
-Sim Vossa Majestade, nossa futura Rainha sorri com os olhos e ela é boa.
Cornell pegou a coroa das festividades da bandeja de ouro que Arved lhe entregou com uma reverência, e a colocou na cabeça.
-Vossa Majestade,  sabes bem que ando pelos quatro cantos do castelo, e nossa futura rainha é boa com todos. Ela é educada e trata  muito bem os criados. Também manda buscar ervas na Botica de Thyri que agora anda com o peito estufado, porque nossa futura rainha é sua paciente.
Cornell sabia que devia encerrar aquele falatório porque iria se atrasar para seu casamento. Mas queria ouvir porque assim estava descobrindo o que ela fazia quando estava longe dele.
Ele sempre a via de longe, nas ceias noturnas , quando voltava do campo de treinamento ou de uma caçada rápida com seus cavalheiros. Mas não se aproximava. Nem a convocava.
Queria a presença dela e ao mesmo tempo, não queria.
Ele a viu um dia lendo embaixo de uma árvore com as crianças da vila.
Ele  ficou perplexo diante daquela cena.
Não sabia se mandava ela ir para seu quarto imediatamente ou se apreciava a  beleza daquele momento com ela rindo e brincando com as crianças.
Ela era uma princesa,  e princesas não costumavam fazer aquilo.
Cornell percebeu que ela só não se esparramou no chão com seu belo vestido, porque sua dama de companhia se adiantou e mandou trazer uma cadeira para que ela pudesse se sentar.
Cornell lembrou-se daquela cena e sentiu algo parecido com ternura.
Ela seria uma boa mãe para seus filhos.
Seu coração acelerou.
Ele balançou a cabeça. Não podia e nem queria pensar nisso.
Crianças eram geradas para continuar um dinastia. Apenas isso.
Estava no contrato. Ela deveria lhe dar dar só menos um filho vivo. Um menino. Senão seria dispensada de sua função de rainha e ele casaria com outra mulher. Ela então seria devolvida  a seu pai, sem o dote, e ele casaria com a filha de algum outro rei que lhe oferecesse benefícios iguais ou superiores.
Arved vendo que o Rei estava distraído continuou a falar.
-Vossa Majestade bem sabe que Eda, a cozinheira, é muito temperamental,  mas descobriu que nossa futura rainha gosta de comer um mingau de aveia com amêndoas e mel. Pois então. Esse mingau é servido toda noite na câmara privativa da princesa.
Cornell estava parado no quarto surpreso. Absorvia aquelas informações com cautela. Então, ela estava conquistando seu povo.
-Vossa Majestade precisa saber que a princesa, que será em breve nossa rainha, já está sendo chamada de Beatrice, a Boa.
Cornell quase riu.
Saber disso o encheu de uma grande contentamento, que ele logo tratou de negar.
Seria muito bom mesmo que ela amasse seu povo! Eles mereciam isso é muito mais! porque enquanto rei, ele se esforçava diariamente para ser justo e para que seu reino fosse próspero, assim como havia sido no reinado de seu pai.
Arved contemplou o homem na sua frente.
A longa convivência o dava alguns privilégios. Dentre todos do reino, talvez ele e o bobo da corte fossem as únicas pessoas que podiam falar as verdades para o rei, sem sofrer nenhum tipo de castigo.
Desde pequeno que Cornell o ouvia.
Passava mais tempo com ele do que com o próprio pai.
E isso lhe dava uma confiança que não era bem vista por todos. Mas Arved tinha esses momentos únicos e exclusivos ao lado do Rei.
E aproveitava, quando estavam sozinhos para lhe falar livremente.
-Vossa Alteza, a princesa Beatrice é muito diferente da Rainha Joanne. Não a veja da mesma maneira. São vasos diferentes. Uma tem a luz irradiando desde os cabelos até o chão onde ela pisa. A outra , por sua vez tinha a noite por dentro. Tratava mal os empregados, esbofeteava as suas criadas, não comparecia a vila e nem tampouco aos jantares onde o povo do vilarejo participava.
Cornell sentou -se de cabeça baixa e o criado sentou -se no chão ao seus pés.
-Vossa Majestade não deve pensar que tudo o que a Rainha Joanne fazia com o seu povo, diz respeito a sua ausência no casamento. Fazia porque ela era daquele jeito,  tudo fazia parte dela mesmo. Ela trouxe a arte, a cultura e a poesia para o castelo? Sim! Mas somente para o castelo. São dois vasos diferentes. Não se esqueça disso.
Cornell levantou-se.
Não queria pensar em Joanne agora. Não hoje. Não sabia se Arved falava uma grande tolice, ou uma verdade que ele não queria admitir: Que Joanne não foi uma boa rainha, ou uma boa esposa.
Não. Não era isso. Ele é que tinha sido um péssimo marido, e aí ela se transformou numa mulher amarga.
Era tudo culpa dele.
Desviando da conversa, Cornell perguntou:
-Tudo pronto para a cerimônia?
Arved arrumou o manto e olhou orgulhoso.
-Sim, meu rei. O banquete será servido logo após retornarem da igreja, tem vinho, cerveja, javali, perdiz, lebres, legumes hidromel e flores! lady Heloise dedicou todo o seu tempo  para fazer uma festa inesquecível para todos!
Cornell assentiu.
-Providencie para que todos os meus súditos e não somente meus convidados, comam e bebam com fartura.
Arved assentiu.
-Assim será feito meu rei. Seus cavaleiros o esperam no portão do castelo para o cortejo do noivo.
- Theo e Derek estão com eles?
-Certamente, Majestade.
...

-Eu acho que vou desmaiar...
Agnes correu ao encontro de Beatrice.
- Vossa Alteza, não fale assim! Pela Santíssima Trindade! Se acalme.
Beatrice andava de um lado para o outro. Estava muito nervosa. Tantas coisas aconteceram nos últimos dias. A chegada de seus pais, a conversa com a Rainha Heloise , ensinando-a, em pormenores, o que acontece entre um homem e uma mulher na noite de núpcias.
Sua mãe nunca havia lhe falado nada aquilo.
Ela mal conhecia seu corpo... como poderia... como poderia... Não! Ela não vai conseguir. Ela não sabia o que fazer!
Descobriu a quatro dias de onde nasciam os bebês e estava profundamente intrigada desse mistério profundo da natureza humana.
Estava muito nervosa, seu peito arfava e estava com falta de ar.
Agnes a olhou preocupada e pediu que todas as criadas saíssem do quarto. Assim que ficaram á  sós, Agnes pegou a mão da princesa entre as duas.
-Deixe-me falar uma coisa, minha princesa.
Beatrice parou para ouvi-la. Precisava de conselhos, de informações, ou qualquer palavra que a acalmasse.
-Não se desespere. O ato na noite de núpcias, é apenas uma obrigação. Dependendo acaba bem rápido. Eu sei que vai dar conta da situação.
Beatrice abaixou a cabeça. Obrigação? Nada obrigado é bom, ela bem sabia. Não ousava falar. Mas sabia.
Como aceitar um ato carnal por obrigação?
Ela não entendia. Não queria se machucar. Isso machucava? Ela não sabia.
Agnes pegou suas mãos e as apertou.
-Um conselho quando é bom não é dado. Mas vou dar assim mesmo. Apenas confie em você, minha princesa. Confie, e olhe nos olhos dele e deixe que ele veja sua verdade.
Beatrice sorriu.
-Minha verdade é que quero que ele me aprecie.
Agnes arrumou o vestido e endireitou a coroa na cabeça de Beatrice.
-Então faça sua majestade a apreciar. Não vai precisar de muito esforço, isso eu garanto.
Beatrice estava com dúvidas
-Será?
-Com certeza, Vossa Alteza.
As duas riram cúmplices e num impulso, Beatrice a abraçou.
Agnes ficou chocada com a demonstração de afeto da princesa com ela.
-Oh vossa Alteza, não faça isso que vou chorar.
Beatrice pegou suas mãos.
-Agnes, eu quero te agradecer, por ser para mim, muito mais do que minha dama de companhia. Você é como uma irmã, uma amiga, uma mãe, que eu amo do fundo do meu coração. Obrigada por tudo!
Agnes enxugou suas lágrimas
-Sinto o mesmo por você minha lady.
De repente Beatrice se lembrou da própria família. Gostaria que sua mãe estivesse com ela agora, mas recebeu um comunicado que ela estaria ausente por causa da enxaqueca.
Assim, pouco antes de se arrumar para o casamento passou um tempo com seus irmãos menores e pôde matar um pouco da falta  que sentia daqueles traquininhas.
-Tem notícias de meus pais?
-Estão presentes.
As duas se olharam e Beatrice se encaminhou para a porta.
Parou e respirou fundo.
Estava saindo como Princesa e entraria ali, daqui a algumas horas, como Beatrice, a Rainha de Dalibor.
...

O REI SEM CORAÇÃO concluído Onde histórias criam vida. Descubra agora