Capitulo 29: O Acerto

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Cornell sentiu uma emoção ambígua.
Os olhos de Beatrice estavam marejados de lágrimas enquanto ela pousava a mão sobre sua barriga. Oh céus! Ela tinha um bebê sendo gerado no seu ventre.
Beatrice então sentiu o peso da responsabilidade. Aquele pequeno ser garantiria a continuidade da linhagem e perpetuaria a memória dos seus antepassados.
Cornell virou -se para a boticária.
-Pode sair Trih.
A velha boticária  fez uma reverência e caminhou até a porta. Antes de sair olhou para o casal com uma ruga de preocupação.
-Que o céu os abençoe vossas majestades.
Ela sabia, por intuição e sabedoria que tempos tumultuados estavam por vir. Sua  premonição era que ambos iriam enfrentar grandes   adversidades pela frente. Só não podia ver se os dois estariam preparados para enfrentarem juntos com confiança necessária para superar os infortúnios. Clamaria aos céus que sim!
Quando ficaram sozinhos, Beatrice olhou para o rei carinhosamente.
Era difícil para ela conter as emoções que lhe assaltavam. Não sabia o que pensar, o que fazer, o que sentir... uma criança... fruto da semente que ele germinou em seu ventre... era difícil compreender esse mistério. Era difícil entender como isso se processava... Mas ela estava feliz! Iria dar um filho a ele. Quem sabe assim, definitivamente ele não a apreciaria?
Cornell sentiu que ela estava comovida. Ele também estava. Mas os fantasmas do passado estavam caminhando novamente em sua direção.
-Se sente bem?
Beatrice se recostou na cama para se acomodar melhor.
-Sim, obrigado milorde. Essas ervas da Trih, fazem verdadeiros milagres.
Cornell concordou com a cabeça, distraído.
Ele estava se contendo, como queria ter coragem de expressar a satisfação, a alegria que escondia sob a face carrancuda. Queria rodopiá-la no ar e lhe dizer de todo o seu orgulho por poder ser pai de uma criança gerada por eles.
Mas simplesmente não conseguia.
As lembranças antigas foram tomando conta da sua mente e estavam formando novamente uma barreira, e a alegria foi sucumbindo ao medo e a culpa.
Seu casamento com Joanne havia sido um desastre. Ele não sentia nada por ela, não gostava de estar com ela e nem sentia falta de sua presença.
Mas ele havia falhado com ela.Ele deveria tê-la protegido a despeito de tudo o que sentia por ela.
Mas ele nunca esteve presente em sua vida, era consciente que havia se esforçado muito pouco para o relacionamento deles dar certo. E, no momento em que ela mais precisou, ele falhou com ela.
E se acontecesse o mesmo com Beatrice?
Joanne morreu algumas semanas depois que ele se comprometeu a estar mais presente no castelo, a estar mais presente nos últimos meses de sua gravidez. E então, ele a levou numa caçada, e ela se afogou no rio.
Ela morreu tristemente sozinha, porque ele estava mais preocupado com seu treino, com seu bem estar, com sua própria vida do que ficar com ela e lhe fazer companhia. Preferiu estar com seus homens, do que estar com sua esposa, e essa decisão o massacrava.
Ele não servia para fazer promessas.
Ele não servia para relacionamentos. Ainda mais do tipo que estava sendo desenvolvido com  Beatrice onde havia muitas emoções envolvidas.
Emoções que ele não conhecia c não sabia como lidar.
Cornell estava tão perdido em seus pensamentos que não ouviu a pergunta de Beatrice
-Poderia repetir?
Beatrice o encarou. Definitivamente existia alguma coisa passando pela cabeça de Cornell, e não devia ser nada bom, pois a   ruga de preocupação que se formou na sua testa, falava por si mesma.
-Perguntei, meu rei, o que achou da notícia que recebeu?Está contente que seu filho está a caminho?
O rei levantou -se da cama e caminhou até a janela ficando de costa para Beatrice.
Com as mãos para trás, seu corpo sólido era pura tensão.
Beaurice estremeceu diante do silêncio dele.
Um silêncio incômodo que demorou mais do que devia.
-Cumpriu-se nosso dever diante da corte e de nossas famílias. Vou anunciar a todos que o herdeiro do rei está a caminho.
Beatrice sentiu um enjoo.Forte. Mas sabia que não dizia respeito a gravidez, mas sim a ansiedade gerada pela dureza  como aquelas palavras haviam sido ditas.
-Dever? Dever meu rei? Então todas essas noites e dias que passamos juntos foram apenas um dever para  milorde?
Cornell não queria discutir.
Beatrice estava fraca e sua decisão ia se confirmando a cada vez que olhava para sua face pálida.
-O que é um casamento senão um dever?
Beatrice sorriu tristemente. Voltariam às turras novamente
-Casamento pode ser diferente. Veja o caso dos seus pais. Eles são.. são amigos, parceiros, e são um rei e uma rainha... mas também são um homem e uma mulher...
Cornell continuava parado na janela. Seu corpo estava tenso e sua cabeça doía.
O silêncio novamente se instalou entre os dois, até que ele falou
-Não sou meu pai e você não é minha mãe.
Beatrice sentiu as lágrimas vindo com uma ardência inusitada, então ela piscou disfarçando dor que sentia.
Mas alguma  coisa dentro dela foi se quebrando aos pouquinhos. Ela havia se empenhado tanto para que tudo desse certo entre eles, mesmo contrariando a tudo e a todos, rompendo com as tradições, ouvindo maldizeres pelos cantos por causa da imensa paixão que ela achava que estavam sentindo.
Mesmo assim, num ímpeto de luta, decidiu saber verdadeiramente porque, porque eles não podiam ser felizes juntos?
-Não entendo porque  Vossa Majestade supõe que não podemos fazer um casamento diferente.
Cornell suspirou. Estava cansado.
Cansado de tentar explicar o que sentia sem conseguir.
-Já fazemos, não percebe? Todos estão comentando nossa relação, se cavalgamos juntos, se  fazemos refeições diárias, e... principalmente, se dormimos todas as noites no mesmo quarto... Isso não é o suficiente para milady?
Beatrice estava ficando zangada. Muito zangada. Sentou-se na cama, e seus olhos estavam cheios de ira.
-Se isso fosse suficiente, porque acha que estaria perguntando isso, meu rei?
Cornell a olhou lentamente com os olhos azuis frios.
-Vou relevar sua situação e fingir que não estou ouvindo a forma petulante como você me fala.
Beatrice suspirou fundo.
-Não entendo porque não podemos ter um casamento onde podemos viver do jeito que queremos.
Cornell voltou-se novamente seus olhos para a janela, onde podia-se ver o amplo jardim do castelo. Foi então que viu Ursulla sair furtivamente da pequena capela que ficava ao lado da estufa de alimentos.
Cornell levantou a sobrancelha.
Ursulla frequentar a capela era normal, mas o seu comportamento não era.
Ao sair da capela, ela olhou de um lado para o outro e esperou uma guarda armada passar, para aí sim, pegar o caminho do castelo.
Iria verificar pessoalmente o que estava acontecendo. Seus instintos ficarem subitamente em alerta.
Mas antes, Beatrice.
-Fazemos parte da realeza e temos funções e deveres a cumprir. Assim é desde o início das nossas gerações. E assim será para sempre. Se quiséssemos viver algo diferente, certamente teríamos que abdicar do que temos. E no final, abdicarmos de quem somos. Eu não conheço outra vida. Somente essa.
Beatrice sentia vontade de chorar. Nunca havia sentindo isso antes. Sentia-se frágil, vulnerável. Queria que ele simplesmente abrandasse aquela angústia que sentia.
Queria um abraço.
-Não posso me comprometer com o que não tenho pra dar.
Beatrice insistiu.
-Como sabe?
Cornell a olhou fixamente,
-Como sei sobre o que?
-Como sabe que não tem nada para oferecer?
Cornell suspirou.
-Porque na única vez que me comprometi a fazer algo diferente, que me comprometi a mudar, eu falhei. Falhei e o saldo foi  a morte de duas pessoas inocentes.
Beatrice levantou -se num ímpeto.
-Não! Não fale assim, meu rei. Nunca parou pra pensar que a decisão de entrar naquele rio foi dela e não sua?
Cornell estava ficando irritado. Aquela conversa estava indo por caminhos que ele desconhecia e não queria.
-Eu falhei. Deveria ter estado lá.
Beatrice segurou as mãos do rei. Ele a olhou e retirou as mãos deixando-a abatida.
-Não pode carregar uma culpa que não é sua. Milorde precisa se perdoar ou vai viver eternamente nessa prisão que construiu para si, repleta de culpa e tristeza.
Cornell a segurou pelo pulso, tomando cuidado para não a machucar.
-Nunca mais fale comigo desse jeito, e também não quero ouvir mais nenhuma palavra sobre a natureza do nosso relacionamento.
Beatrice abaixou a cabeça. Estava definitivamente cansada de ter que passar por tudo isso novamente.Então escutou Cornell falar:
-Nosso casamento é um acordo entre Dalibor e Hawuise. E isso, é tudo o que temos.
Beatrice sentiu as lágrimas descendo pelo seu rosto, mas não se importava. Não se importava com mais nada.
-Como milorde pode ser tão cruel?
Cornell soltou seus pulsos e começou a colocar sua cota de malha.
-Isso não é crueldade. É a realidade.
Beatrice voltou a se deitar. Suas pernas estavam fracas, ela estava enjoada e queria apenas ficar sozinha.
Cornell sentiu seu abatimento.
Mas não podia prometer que cuidaria dela com a sua vida. E se não estivesse por perto? E se ele falhasse novamente?A ideia de perdê-la lhe deu uma sensação enorme de dor.
Não poderia viver sem Beatrice, e esse pensamento o assustava enormemente.
Cornell colocou o manto de carneiro sobre os ombros e a olhou furtivamente.
-Agora que está grávida, deve retornar a sua câmara para que Agnes e suas criadas cuidem de suas necessidades.
Beatrice abaixou a cabeça. Sentia-se destruída emocionalmente.
- Sim, milorde.
Cornell estava comovido. Mas não podia ceder à tristeza que via naqueles olhos azuis.
Definitivamente, ele não sabia como lidar com o que sentia por Beatrice.
- Vossa Majestade irá me ver? Quer dizer... irá me ver de vez em quando?
O rei então  colocou a enorme espada ao lado do seu corpo, fez uma reverência com a cabeça e silenciosamente saiu do quarto deixando Beatrice sentindo como se tivesse  perdido uma batalha.

O REI SEM CORAÇÃO concluído Onde histórias criam vida. Descubra agora