Capitulo 19: A partida de Heloise

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Os dias passaram rápido e a movimentação no castelo era intensa.Por todos os lados, podia-se ver criados armazenando víveres, forrando os estábulos, guardando água potável em grandes galões, nos preparativos  para o inverno que se aproximava.
O tempo já estava mudando e as manhãs demoravam  muito para clarear.
Na última semana, Cornell coroou Beatrice como rainha consorte, numa cerimônia simples na catedral da igreja onde ela fez seus votos  de fertilidade, e teve que garantir que iria gerar filhos homens para-a continuidade da  dinastia do reino de Dalibor.
Naqueles dias, Cornell passava o dia todo fora ou no tribunal, resolvendo questões junto aos aldeões  ou recebendo os impostos de  seus vassalos. Ela sabia que ele chegava tarde da noite e havia dia que  não frequentava o grande salão das refeições.
Já Beatrice passava seus dias administrando as tarefas no castelo, aproveitando para ir a vila, para ver se seus vassalos estavam em condições dignas de atravessar o inverno, e entregando mantas para os que mais precisavam.
No mais, ela criou o hábito de cavalgar assim que as manhãs clareavam, juntamente com suas damas de companhia, sob a vigilância de alguns guardas que Cornell escolheu pessoalmente para acompanhá-las.
Beatrice queria aproveitar aqueles últimos dias agradáveis ao ar livre antes que a neve chegasse e os deixassem trancados dentro do castelo por longos três meses.
Ela aproveitava esses passeios  para liberar um pouco da sua angústia, que eram muitas naqueles dias.
Estava cansada de tentar disfarçar o que sentia. No fundo de sua alma, ela estava  devastada por dentro, pois depois da última conversa, que tivera com Cornell, eles não haviam conversado mais. No dia da coroação, ele mal a olhou. E ela havia se preparado tanto para aquele dia!
Mas ele fez questão de fingir que ela não existia.
....

Naquela manhã , Cornell atendia  no tribunal  e quando acabou o último caso de disputa entre dois vassalos sobre quem era o dono de dois bezerros fugidos, ele se retirou para seu quarto. Tinha uma dor de cabeça insuportável.
Estava preocupado com o inverno e com todas as ações que teria que tomar para que todos ficassem em situações adequadas e confortáveis quando o clima mudasse, e o inverno finalmente chegasse.
Perdido em seus pensamentos, ele  ouviu um leve bater na porta.
-Entre.
A rainha Heloise entrou.
Ah não! Tudo o que não precisava naquele momento era sua mãe para lhe relatar seja lá o que fosse.
-Meu rei.
Ela fez uma reverência.
-Vim avisa-lo da partida, amanhã pela manhã, antes que o sol nasça. Creio que as coisas aqui estão caminhando bem. E agora que a nova rainha tomou sua posição, penso que o trono de Dalibor está em boas mãos, com vocês dois no comando.
Cornell tirou sua cota de malha e sua espada, e as colocou em cima do aparador.
Ficou em silêncio por um instante e depois falou em tom baixo:
-Obrigada por tudo mãe.
Heloise se aproximou do filho e pegou suas mãos.
-Cornell, pense bem no que está fazendo com Beatrice. Ela tem uma essência muito doce e otimista. Não deixe que isso termine por conta das suas razões internas mal resolvidas. Pense meu filho. Pense com o coração.
Cornell olhou detalhadamente o rosto bonito de sua mãe.
Era isso! Beatrice era como sua mãe. As duas eram impulsivas. As duas diziam o que pensavam. As duas eram desobedientes e não pensavam antes de falar.
-Não preciso dos seus conselhos.
Heloise riu.
-Eu sei que não, mas mesmo assim os dou.Volto para meu lugar, ao lado de seu pai. Espero que tenham um bom inverno.
Cornell então, abraçou a mãe. Um gesto incomum entre soberanos. Mas não em sua família, onde o afeto sempre esteve presente.
-Não se preocupe milady. Tudo correrá bem.
Heloise passou a mão no rosto do filho. Ele estava abatido e com a barba por fazer.
Cornell precisava se livrar da dor passado.
Talvez, sem perceber estivesse  repetindo com Beatrice o mesmo comportamento que teve  com Joanne.
Mas as duas eram tão diferentes, eram como água e vinho.
Joanne era taciturna, desconfiada, mimada e quieta.
Beatrice ao contrário.
Ela era vibrante, cheia de vida, irradiava  beleza, gentileza e cordialidade.
Ela soube pela sua dama de companhia e melhor amiga, a duquesa Isobel, que havia boatos que eles passaram a primeira noite juntos, e que ela havia dormido em seu quarto.
Ambas ficaram felizes. Isobel era madrinha de Cornell e o amava como filho. Finalmente elas acharam que Cornell estava pronto pra iniciar uma nova fase na sua vida!
Mas logo no outro dia, o filho escapou da teia de afeto tecida por Beatrice, deixando-a sozinha s ficado dias  fora em caçadas arranjadas para fugir dos problemas.
Cornell precisava mudar suas atitudes. Mas ele era tão teimoso! Não queria ouvir ninguém, então teria que aprender a lição sozinho.
Talvez pela dor. Novamente.
Heloise pensou na  nora Beatrice. Tão jovem e tão bonita! Com tantas qualidades de uma pessoa com a alma e o coração puros.
Tão perfeita para ele!
-Cornell. Eu sei que tudo correrá bem. Principalmente quando  milorde colocar essa bela cabeça para pensar, e ver o que está certo e o que está errado. O que pesa no seu coração e o que deixa leve. Escolha o que se sentir melhor.
Cornell beijou as mãos da mãe. O silêncio era a melhor resposta.
Heloise acarinhou os cabelos do filho que caiam sobre sua testa.
-Ah Cornell, mande me avisar imediatamente assim que meu neto estiver a caminho.
Cornell levantou os olhos cinicamente.
Heloise virou as costas para sair, mas antes de pegar na maçaneta da porta, ela o olhou.
-E convoque a rainha para seu quarto. Meu neto só virá se vocês... bem... você sabe muito bem como ele virá.
Heloise deu-lhe um sorriso maroto.
-Fique bem meu rei . E procure ser feliz.
....
Aquela  noite era a despedida da rainha Heloise, agora oficialmente Duquesa de Clement,  depois da coroação de Beatrice como a rainha de Dalibor.
Beatrice estava triste porque sua sogra iria embora. Naqueles dias difíceis, ela tinha sido uma companhia adorável, um bálsamo para sua tristeza!
As duas cavalgavam juntas com suas comitivas e fizeram os últimos piqueniques do outono, mum clima agradável entre muitas conversas e risos.
Heloise também a levou ao campo de treinamento de arco e flecha e insistiu para ensinar a ela como usava a arma que era a especialidade dela no campo de batalha.Heloise  era uma mulher pequena e audaz, conseguiu ser reconhecida como uma rainha guerreira, que lutou heroicamente pelo seu povo ao lado do marido, e ficou orgulhosa e comovida ao mesmo de tê-la como instrutora.
Heloise parecia ter uma relação de confiança com o Rei Ozzil. O fato de ter somente um filho que permaneceu vivo, não a desmereceu. Pelo contrário, ela era admirada e foi considerada uma rainha consorte e algumas vezes, regente, muito respeitada, pois durante vários anos, assumiu o trono de Dalibor na ausência do rei Ozzil que estava sempre envolvido em várias guerras.   Como agora. Ozzil esteve ausente no casamento de seu filho, pois havia sido chamado aos campos de batalha de seu primo no distante reino de Mair.
Numa manhã, quando ambas descansavam reservadamente num espaço do castelo que as duas organizaram para ser um salão  de chá para se horas, Heloise lhe perguntou sobre a vida de casada.
-Eu não senti muita diferença ainda, Vossa Majestade.
Beatrice corou ao responder a sogra.
Seus pensamentos foram na lembrança do seu corpo nu, colado ao corpo do marido, e os dois chegando juntos a um  prazer extremo. Juntos.
A diferença estava no seu corpo,  que ansiava por sentir todas aquelas sensações novamente. Mais do que isso. a diferença estava na sua alma,  que queria estabelecer uma relação intima e de cumplicidade com Cornell, mas ele simplesmente a ignorava.
Mas como ia explicar isso para a Rainha? Como?
Heloise a olhou carinhosamente.
-Os homens são criaturas complexas, milady. Mas nada como o tempo para acalmá-los.
Beatrice sorriu para a sogra, que era uma pessoa tão boa e amável e de quem ela gostava em demasia.
-Vossa Majestade já acalmou o Rei Ozzil?
Heloise abriu um sorriso. Franco, honesto, verdadeiro.
-Há muito tempo. Mas não conte a ninguém. O duque não gosta que saibam que ele é um homem domado. Nenhum homem gosta. E não se esqueça: agora eu meu marido fazemos parte do Ducado de Clement. Sua Majestade  é o rei Cornell e a rainha é milady.
Dizendo isso, ela lhe piscou um olho. Beatrice ficou sem jeito.
- Oh milady, é difícil não chamá-los de vossas majestades.
Heloise entendia. Ia demorar um tempo até que todos se acostumassem.
Beatrice então retomou a conversa sobre seu relacionamento com Cornell.
-Milady, eu  não creio  que sua majestade aprecie meus artifícios.
Heloise pegou as pequenas mãos de Beatrice entre as suas e falou com ternura:
-O rei  é uma pessoa difícil. Talvez um pouco mais difícil  do que uma pessoa comum. Mas seu coração é bom. Ele guarda essa amargura por causa da morte de Joanne e de minha neta não nascida. Ele pensa que foi sua culpa. Que poderia ter salvado as duas. A culpa é um sentimento muito pesado para se carregar milady. Causa dores e cicatrizes profundas que podem  gerar muitos problemas parado mesmo e para os outros. Pode inclusive levar uma pessoa a um estado de auto destruição. É muito dolorido viver assim.  O rei  não admite par si  mesmo que ele não poderia t salvá -las. Estava escrito no livro do destino  que seria assim. Ele esqueceu que não podemos contestar a vontade de Deus.
Beatrice assentiu com a cabeça. Era verdade. Só restava aceitar e entender os desígnios de Deus. Mas ele lutava contra isso.
Heloise apertou as mãos da nora e  lhe deu  tapinhas leves e carinhosos.
-Tenha paciência com ele, Beatrice.Tenha paciência e tudo ficará bem.
....

O jantar daquela noite foi festivo. A ceia servida foi um belo assado de carneiro com ervas e pães deliciosamente frescos.
Beatrice estava se sentindo pouco a vontade com o rei ao seu  lado. Embora houvesse quase um mês que haviam estados juntos, ela estava tensa, porque naquela noite ele a olhava como se não a visse.
Assim que ele saiu do salão, ao final do jantar, se passou alguns poucos instantes,  e ela foi convocada para estar na câmara do rei.
Beatrice ficou nervosa.
Olhou para Heloise que lhe deu um sorriso calmo e encorajador.
Ela saiu do grande salão deixando para trás os olhares de desdém  e surpresa de alguns nobres   Com a atitude do rei.
Sua primeira parada, foi  no seu quarto,  para fazer uma pequena higiene e se trocar. Agnes e suas criadas pessoais, a arrumaram com uma  longa camisola de seda cheia de fitas entrecruzadas. Agnes ia prender seus cabelos, mas Beatrice  não deixou.
-Quero eles soltos.
Agnes assentiu de mal grado, mas ela andava tão triste aqueles dias que decidiu não refutar.
Colocou o manto de carneiro sobre os seus ombros e notou que Beatrice que eles estavam curvados, ela parecia tensa.
Beatrice ficou calada durante a sua arrumação e  aquilo definitivamente não era um bom sinal,
Agnes sussurrou bem próximo a seu ouvido para que as criadas não pudessem ouvir:
-Se acalme majestade. Tudo vai ficar bem. Agora, o que vai acontecer não é mais nenhuma novidade para milady.
Beatrice sorriu com tristeza.
Ao contrário! Era tudo diferente. Ele a queria em sua cama para procriarem o herdeiro de Dalibor.  Vivia um casamento de mentira. Suas emoções estavam a flor da pele. Ela esperou tanto  por  esse momento! Momento de estar a sós com ele e poder ficar algumas horas em sua companhia, mas agora a tristeza a rodeava.
Discreta , durante o dia, ela via ele treinando com seus homens, e gostava tanto de olhar para e... ouvir a sua voz calma na sala do tribunal, decidindo sobre a vida de um porco que matou um camponês era um alento. Ele era sempre justo em suas decisões.
Sim! Ela gostava dele e estava ansiosa para estar com ele novamente! Mas seu coração estava encarcerado numa dor até então desconhecida.
Caminhou lentamente pelo corredor seguida de dois guardas  pessoais do rei.
Arved a esperava do lado de fora do quarto e solenemente abriu a porta para ela entrar.
Seu coração  batia acelerado. Sua boca estava seca. Suas mãos tremiam. Suas pernas pareciam que não iam aguentar seu peso.
Então ela entrou e sentiu a porta ser fechada nas suas costas.
Seja lá o que fosse acontecer naquela noite, ela estava preparada.

O REI SEM CORAÇÃO concluído Onde histórias criam vida. Descubra agora