Cepitulo 38: A masmorra

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O cheiro forte de dejetos humanos a fazia ter náuseas. O pouco que tinha no estômago da última refeição que fizera em Craig, há muito já havia sido despejada no chão frio da masmorra. O estado de espírito de Beatrice era de uma pessoa derrotada, humilhada e abalada por ter sido retirada de seu lugar de direito e agora jazia ali, num chão frio, sem comida, nem água, em um lugar sujo e escuro, de onde não se via a luz do sol.
Ela queria ter esperança. Mas achava que Cornell não chegaria a tempo de salvá-la. Ele estava na batalha em Brugnaro. Há léguas de distância dali.
-Mas.. e se ele voltasse a tempo? Ficaria do lado do arcebispo ou do seu lado?
Essa dúvida a corroía, porque sabia que um rei, ao se contrapor contra um membro da igreja, poderia trazer a destruição para seu reino.
-Ele estaria disposto a abrir mão de tudo, por mim?
Nisso, Beatrice ouviu um barulho de passos e seu coração deu um salto.
-A rainha não come a um dia. Não deveríamos dar um pouco de comida e água a ela?
-disse um dos guardas.
-Se você quiser morrer sim. Além do mais, ela não será rainha por muito mais tempo.
O outro guarda suspirou.
-Ela está grávida. Me lembro de minha mulher quando estava nessa condição e ela..
Beatrice ouviu então um som como se fosse um tapa na cara.
-Cale-se! Vamos aguardar milorde. Ele em breve chegará para fazer uma visitinha a nossa prisioneira de honra.
Beatrice se encolheu no cantinho mais escuro da masmorra.O arcebispo deveria trazer  algum instrumento de tortura para aplicar nela.
-Oh meu Deus! Me prepare para esse momento!
Beatrice passou a mão em seu ventre e sussurrou:
-Meu filhinho querido! Eu tenho certeza que veremos  de novo a luz do dia. Seu pai virá  nos salvar. Vamos esperar  meu pequeno. Precisamos confiar!
...
Cornell e sua comitiva de duzentos homens estavam a poucas horas de Dalibor.
Era preciso parar naquele momento e enviar um batedor para saber o que estava acontecendo. Mal acabou de pensar, ele saltou de seu cavalo e se encaminhou onde estava seu jovem escudeiro chamado Ricard. Prendendo as rédeas do cavalo com suas mãos, Cornell ordenou.
-Ricard. Vá até Dalibor e  reconheça o tereno e nos traga informações precisas sobre o que acontece em Dalibor.
O jovem escudeiro que limpava as armas de Cornell e o ajudava carregando seu escudo era de muita confiança e sua velocidade na montaria e agilidade para intimidar seria reconhecida em breve como um cavaleiro do seu reino.
-Será uma honra, Vossa Majestade.
Ricard saltou imediatamente em seu cabelo e Cornell ficou olhando o jovem sumir na poeira da estrada, quando sentiu a presença de mais alguém ao seu lado.
Era Ozzil.
-Não sei se vou aguentar esperar a volta de Ricard.
Ozzil colocou a mão nos ombros do filho.
-Precisamos esperar para saber o que se passa em Dalibor e assim, podermos organizar rapidamente uma estratégia.
Cornell cobriu a mão do pai em seu ombro e ambos se olharam com carinho e respeito.
-Confie, meu filho.
Antes que pudesse responder ao pai, ouviram um tropel de cavalos.
Ao longe, próximo a beira do lago, eles viram se aproximar as bandeiras bem conhecidas por eles, juntamente com uma cavalaria de aproximadamente quinhentos  homens.
-Derek e Theo. -Disse Cornell.
Ozzil olhou para o filho preocupado.
-Bem, se eles voltaram com reforços, isso so pode significar uma coisa: Não havia invasão nenhuma em Brugnaro. Tudo foi armado. Caímos numa cilada.
Ozzil então olhou para o filho e em seus olhos a cumplicidade se instalou: eles já sabiam o que ia acontecer.
-Vamos meu pai. Minha família depende de mim. E dessa vez, quero chegar a tempo.
....
Na salão do tribunal, o arcebispo Gregor tomava uma taça de vinho com Dragomir e Ursulla, todos perdidos em seus pensamentos.
O arcebispo tinha acabado de chegar de uma visita a masmorra onde decidiu infringir um  tipo de tortura a Beatice.
Mas ele agia com calma. Apenas lhe deu alguns safanões e colocou algemas e o colar de ferro.
A pior tortura ela já estivesse vivendo. Clausura, fome, sede e medo.
O arcebispo estava cego pela vingança, e começava a achar que poderia usar a pera da angústia  em Beatrice. Ou a pera em  sua boca não seria o suficiente?
O arcebispo era amante desse instrumento. Em formato de pera, ele se abria em quatro partes e era só girar o parafuso e a pera ia se abrindo bem devagar na boca das blasfemadoras e mentirosas.
Usar aquele instrumento na boca pérfida da fornicadora lhe trazia saliva nos lábios.
-Aquela mulher era diabólica, e era bem capaz de que se ele girasse o parafuso para que a pera abrisse a sua boca ao máximo que pudesse, ela não proferiria nenhuma palavra.
Aquela mulher tinha o pacto com o demônio, com certeza era isso. Mas seria um prazer indescritível sentir aquela boca rosada sangrar e ver ela vomitar sangue num rosto pálido e sem vida. Ela ficaria uns sete dias sem abrir aquela boca. Agora.....pensando bem.... poderia usar a pera em outro lugar...
-Milorde... precisamos conversar sobre a possibilidade da chegada do Rei. O que faremos se isso acontecer?
Gregor olhou para Dragomir com desprezo. Como ousava falar com ele? Como aquele homem conseguiu um cargo de confiança naquele reino? Ele era mais imbecil do que um burro de carga.
-Havemos de falar a verdade. Lady Beatrice tentou matá-lo, cuspiu em seu prato, praticou heresias em seu  matrimônio e foi julgada por isso. Porque precisamos de mais?
Ursulla abaixou os olhos e sorriu.
-O rei nunca lutará por ela. Ele aceitará o que foi feito. Ademais, o que poderá fazer? Ele é apenas um rei.
Gregor sentia-se bem. Era verdade. Cornell era um rei senhor feudal, um suserano com muitos vassalos, mas ele era um arcebispo, e ele tinha o direito, dever e obrigação de cuidar dos reinos em nome de Deus.
Dragomir estava ansioso.
-Mas e as mortes? O que diremos quanto as mortes? Arved, Robbyn e todos os camponeses e vassalos do rei?
-Diremos a verdade novamente. Queriam se contrapor ao tribunal.  Todos são sabedores que a lei é a igreja. Morreram por que não queriam se opor ao tribunal.
Dragomir olhou para Ursulla. Naquele momento ele se arrependia profundamente de ter caído nas garras daquela mulher. Se arrependia de tudo o que planejou com aqueles dois.  Sua luxúria e  ambição o levaram a cometer  traição  ao rei Cornell e principalmente ao Rei Ozzil que o acolheu como escudeiro, lhe deu um título de marquês e o preparou para ser primeiro ministro de seu filho para  que ele pudesse abdicar do trono.
-Milorde, sua estratégia é revidar, quando sua majestade chegar?
Gregor ficou pensativo por um tempo, e depois respondeu impaciente .
-Tenho certeza que sua majestade não irá se contrapor aos desígnios da igreja. Ele sabe muito bem o quanto tem a perder. E eu sei muito bem o que eu tenho a ganhar. Mas estaremos  prontos para tudo o que possa acontecer.
Ursulla se levantou e ficou na frente do arcebispo. Seu olhar demonstrava toda raiva que sentia.
-Não irá revidar?  Mas Precisa revidar! Precisa matar todos eles!! Se não fizer, o que acontecerá comigo? Quer dizer, conosco? 
-Disse Ursulla olhando para o rosto pálido de Dragomir.
-Você nos prometeu moedas de ouro e um castelo  nas  terras papais... sabe muito bem que Cornell me odiará e que nunca me perdoará por isso.
O arcebispo olhou para Ursulla com asco.
-Cuidado como fala comigo Duquesa. Posso contar ao rei sobre a morte de Joanne. Sobre como  serviu a rainha um  chá de ervas antes daquela fatídica caçada e como um dos seus pajens a afogou no rio, matando não somente sua filha, mas também sua neta, tudo para que pudesse tentar, ficar no lugar da rainha.
Ursulla o olhou horrorizada. Como aquele velhote havia descoberto isso?Estava perdida! Perdida!
-Você armou tudo isso, seu pusilânime! Armou tudo para que nós ficássemos com a culpa e você  se safasse de tudo e a mim? O que caberá a mim? a forca!
O arcebispo  gargalhou.
- A duquesa deveria saber, que não faço negócios com mulheres.
Ursulla perdeu o controle e levantou  a mão para esbofetear o  arcebispo, mas ele foi mais rápido e pegou suas mãos no ar.
-Seu vinho estava  a seu gosto Duquesa?
Ursulla levou as mãos  ao estômago. Oh céus! O que aquele maldito colocou na sua bebida?
O arcebispo sentou-se novamente e ficou olhando Ursulla cair no chão e se retorcer, deixando a vida lentamente...
-Como é mesmo o nome daquela erva mágica? Ahhhh sim... beladona. Bem apropriado não  é mesmo, lady Ursulla ?
Dragomir olhava a cena atônito. Estava no fundo do poço e não havia como fugir dali.
O arcebispo o olhou com os olhos duros como aço.
-E quanto a você... providencie para que os corpos sejam retirados do pátio. Daqui a pouco vão começar a exalar o cheiro da morte. E quero que quando o rei retorne ao seu lar, encontre tudo nos seus devidos lugares.
...
Em três horas Ricard foi e voltou e quando Cornell descobriu o que se passava em Dalibor, ele quase enlouqueceu.
-Traidores! Bastardos! Eu sou capaz de matá-los bom minhas próprias mãos!!!
Na tenda real armada no campo, estavam Derek, Theo, Ozzil e Heloise.
Cornell andava de um lado para o outro enfurecido.
-O que vamos fazer? Nossa cavalaria unida, é muito maior do que a cavalaria de Gregor mas o infame  acusou Beatrice de heresia contra a igreja, o que poderemos fazer?
Cornell sentou na cadeira, com os ombros abatidos.
-Não há nada a ser feito.
Derek se levantou e disse:
-Podemos raptar Lady Beatrice.
Ozzil bufou, exasperado.
-E viver fugindo como ratos? Contando os dias para isso acontecer de novo?
Cornell urrou.
Todos levaram um grande susto.
-Eles não podiam fazer isso com ela.  Porque Beatrice não me ouviu? Eu pedi para ela me esperar em Craig... Eu pedi isso a ela...mas nada tira a culpa do cafajeste do Dragomir !!!  Eu confiei minha vida e meu castelo a ele e agora minha mulher e meu filho estão nessa situação ! Ele deveria protegê- la e não colocá-la na boca do lobo! Eu não posso falhar com Beatrice! Eu não posso falhar com ela como  aconteceu  com Joane. Eu não posso!!!!
Todos ficaram em silêncio, comovidos com a dor de Cornell.
Heloise deu um passo à frente.
-Enquanto vocês discutiam estratégias, eu descobri  que a solução não  é militar e sim política.
Theo admirava Heloise. Em todas as batalhas que lutaram juntos, ela sempre buscava soluções eficazes para qualquer  dilema que estivessem vivenciando no campo de batalha.
-Solução política minha Lady ?
Heloise sorriu.
-Sim. Uma solução definitiva para que Beatrice seja liberta e assim, ficarmos livres  das garras de  Gregor. Essa solução é  a única possível e garanto que  não teremos nenhum problema futuro e, não haverá mais derramento de sangue, meus lordes.
Cornell olhou para a mãe, seu rosto estava contorcido pela dor, exaustão e desesperança.
-E o que seria minha lady? Porque não posso garantir absolutamente nada nesse momento.
Heloise pegou seu arco e flecha e marchou na frente dos homens, dizendo em voz de comando:
-Marchemos para Dalibor.
Os homens se entreolharam.
-Milady. -Disse Theo -Precisa nos antecipar do quer-se trata. A situação é mais complexa do que imaginamos a princípio. Sua Majestade, Lady Beatrice  foi ao tribunal , e o arcebispo a julgou e a condenou por heresia.
Derek complementou
-Sim. Confiamos plenamente em vossa Majestade, mas precisa  nos antecipar sobre essa solução, Milady. Temos que estar preparados para os acontecimentos que virão.
Heloise era bem pequena, e aqueles homens a sua frente pareciam gigantes diante dela. Mas ela  não os temia.
- Gostariam de usar suas  espadas não é mesmo? Mas  não precisarão, se não precisarem, é claro.
-Quando vossas majestades estavam aqui pensando em estratégias, eu subitamente me lembrei de um guardado de muitos anos que tenho no meu castelo. Enviei meu pajem de confiança às terras da rainha e pedi para ele me trazer isso.
Heloise então tirou um pergaminho de dentro de seu alforje.  Ao  verem o selo vermelho, os homens se entreolharam. Derek e Theo pareciam  supressos mas depois sorriram aliviados e satisfeitos.
Heloise sorriu.
-Vocês não deveriam  ficar  surpresos. Não sabem  que sempre tenho soluções inteligentes para  todos os momentos.?
Ozzil deu gargalhada. Cornell o olhou furioso.
-O que está acontecendo com vocês? Minha mulher está lá com aqueles canalhas e vocês estão se divertindo bem na minha frente?
Heloise se recompôs.
- Meu amado rei,  estamos com a liberdade de Beatrice e meu neto bem aqui na minha mão.
Cornell esperava que não chegassem tarde demais.
-Ou neta..-Ele disse carinhosamente. Beatrice! Oh Beatrice! Ele daria sua vida para salvá-la!
Heloise  colocou a carta novamente em seu alforje e olhou para o filho com lágrimas nos olhos.
- Tem razão. Ou neta.
Então os homens empunharam suas espada a frente de seus corpos. Heloise se juntou a eles, formando uma estrela  de cinco pontas.
Emocionada, Heloise falou:
-Temos  essa  carta. Portanto, sintam-se livres para usarem  suas  espadas,  se  assim quiserem e for preciso, pois eu estarei pronta para  usar a minha.

O REI SEM CORAÇÃO concluído Onde histórias criam vida. Descubra agora