39

278 17 0
                                    

Faz precisamente, quatro dias, vinte e duas horas e provavelmente, quarenta minutos que estou tentando achar formas de me aproximar de Trevor. Eu já fiz de tudo. Fui em um dos seus jogos idiotas de basquete e como se não fosse desconfortável o suficiente estar em um lugar onde não queria estar, somente para chamar atenção de alguém. Levei um cartaz enorme com seu nome escrito em letras garrafadas, pintadas de rosa e preto com glitter. Obriguei Rachel a me ajudar a segurar o cartaz. Ela quase morreu de vergonha e como recompensa, me fez ir em um de seus treinos. Rachel é simplesmente a melhor amiga que eu poderia ter. Ela abriu mão de liderar sua equipe, para estar ao meu lado na arquibancada.
Travor por sua vez, olhou para o cartaz quando entrou na quadra. Primeiro suas sobrancelhas arquearam, depois sua boca formou um "o" perfeito. Por fim, ele abriu um sorriso gigantesco, que pareceu iluminar os quatro cantos do ginásio. Ele acenou para mim e eu retribui o aceno como uma idiota. E esse foi oficialmente, um dos momentos mais felizes que tive nos últimos quatro dias.
Pensei que após o jogo nós iríamos ficar bem. Pensei que voltaríamos para casa e atacaríamos qualquer porcaria gordurosa que víssemos pela frente. Ele pediria para dormir no meu quarto e eu fingiria pensar na possibilidade por mais de vinte segundos, mas nada disso aconteceu. Voltei para casa sozinha naquela noite.
Agora, olho para a oficina repleta de pessoas ao meu redor. Kanye costuma ser bem discreto quanto ao número de pessoas que frequenta este lugar. Ele fornece o melhor trabalho e equipamento do estado, mas grande parte de suas peças são ilegais. Tudo que envolve Kanye e seu trabalho precisa ser feito com discrição.
Me lembro de quando o conheci. Eu tinha acabado de perder minha primeira corrida. A pouco tempo atrás, descobri que tinha perdido para o pai de Travor. O céu estava completamente nublado e uma fumaça espessa saia do capô do meu carro. Eu lembro de me debruçar sobre o volante e chorar como uma garotinha por pelo menos vinte minutos, até alguém coçar a garganta ao lado do meu carro. Quando levantei a cabeça, ele estava rindo de mim. Perguntei qual era seu problema e ele deu de ombros, como se não soubesse por onde começar. Kanye me entregou um papel com o endereço de sua oficina, então, disse "este mustang é lindo demais para ser usado perdendo corridas." Eu lembro de mandar ele ir se foder. Mas apareci no outro dia bem cedo em sua oficina. Desde então, ninguém encostou no meu carro, além dele.
Alguns de seus amigos, andam pelo espaço aberto do galpão. Todos têm cervejas nas mãos e conversam de forma animada. Conheci a namorada de Kanye, hoje. Ela tem olhos verdes e cabelos castanhos e cacheados. Sua pele tem um tom de oliva que passaria horas deitada em uma esteira para conseguir.
Meu carro balança quando tiro meu peso de cima do capô. A cerveja em minha mão já esta quente. Eu vim para trocar os pneus, por pneus para andar na neve. Nesta época do ano é impossível andar por Detroit com pneus comuns. Kanye e sua namorada me convidaram para ficar e conhecer seus amigos.
Acho que deve ser nítido o quão na merda eu estou. Fiz a burrada de comentar com eles o que tinha acontecido em meu aniversário, antes deles me convidarem. Todos os seus amigos são legais e tem aquele tipo de humor duvidoso. Contam aquele tipo de piada tão ruim que você ri de incredulidade.
Quando percebo que já aguentei mais do que pensei que conseguiria. Decido me despedir de todos, entrar em meu carro e correr para minha cama no menor tempo possível. Nos últimos tempos, vivo com a constante sensação de que meu coração está sendo esmagado e tem uma imagem de Travor grudada em minha mente. Como se o tempo todo ele estivesse lá, zombando de mim.
Antes eu me sentia apenas triste, mas a esperança me trazia um pouco de paz. Mas agora a dor está começando a ser substituída pela raiva. Mas não raiva dele. Sinto raiva de mim. Como deixei me envolver dessa forma. É ridículo, as vezes penso que tudo que pode me fazer realmente feliz é estar ao lado dele. A paixão é um dos piores sentimentos que experimentei. Nunca senti nada tão primitivo e entorpecente. É como se eu pudesse fazer qualquer coisa, somente para ter sua atenção por alguns segundos. Isso me enlouquece.
Disparo com meu carro pelas ruas do bairro periférico e noto em como o céu está estrelado para esta época do ano. Uma música toca lentamente em meu computador de bordo. Batuco meus dedos no volante, seguindo o ritmo da música. Percorro rapidamente os quilômetros até chegar em minha casa. Meu celular toca, no banco de trás por meio segundo, antes da ligação ser transferida para meu painel.
-Alô?- não sei quem está ligando e escuto barulho de pessoas ao fundo.-Quem está falando?
-Oi, Abby.- o homem finalmente percebe que estou na linha e o barulho diminui.- É o Jhon. Este é meu número novo.
-Ah. Oi.- fecho os vidros do carro.- Aconteceu alguma coisa?
-Você e Trevor precisam estar pronto para viajar amanhã.- fico em silêncio e ele continua.- Lembra daquela conversa que tiveram com o chefe?
-Como assim?- ouço sua respiração e ele parece estar fumando. Sua fala é lenta quando ele continua.
-Te passo a localização amanhã durante o dia.- ele desliga sem me dar mais informações.
O desgraçado desligou o celular, como se não existisse a possibilidade de eu recusar. Praguejo ao estacionar em frente à minha casa e descer do carro. Percebo dois carros estacionados do lado de fora da garagem e ao me aproximar ouço música vindo de dentro da casa. A porta de entrada se abre facilmente e eu olho para todos os lados, em busca de pessoas. A sala está tão organizada quanto quando sai mais cedo. Conforme entro, percebo que o som está ficando mais alto. Aparentemente, Travor fez uma festa. O estranho é que não reconheci nenhum dos carros, quando cheguei.
Saio para a área externa e vejo dezenas de garrafas vazias e dois desconhecidos deitados nas cadeiras de banho. Não os cumprimento quando passo por eles, porque não estão prestando atenção em mim. Entro na área coberta e consigo ver o topo da cabeça de Travor, encostada no sofá. A música pesada de rock me distrai e reparo no clipe passando na tv. Dou a volta no sofá, para ficar em sua frente. Ótimo, vou ser obrigada a conversar com ele e o assunto vai ser nossa repentina viagem até o Canadá, provavelmente em uma missão suicida. Não fico surpresa quando o encontro podre de bêbado. Porém, demora alguns segundos para eu reparar que tem alguém deitado, com a cabeça em suas pernas. Seus cabelos são longos e pintados de vermelho, de uma forma quase grotesca. Como se ela tivesse pincelado o cabelo com as próprias mãos. Travor está com os olhos fechados. E graças a Deus nenhum de seus braços estão sobre a menina. Puxo o ar rapidamente para afastar a ideia de jogar a geladeira na cabeça dos dois. Preciso ser menos impulsiva. Me abaixo e o cutuco no ombro. Ele resmunga e sua cabeça cai para o lado. Chacoalho o ombro da menina desconhecida e ela rapidamente abre os olhos. Suas sobrancelhas também estão pintadas de vermelho e ela tem vários piercings por todo o rosto.
-Oi?- ela se levanta devagar. Seus olhos são escuros e suas feições muito duras .
-Sai do colo dele.- falo ríspida, mas logo me arrependo.- Por favor. Eu preciso falar com ele.
-Ele está de porre. Duvido que você consiga fazer isso hoje.- ela ri e parece desafiadora, mas se levanta sem protestar.
Eu a ignoro e sento ao lado dele. A menina caminha de forma incerta até as duas pessoas que vi na área da piscina. Me aproximo dele e tiro uma mecha de cabelo de seu rosto. Ele nem se mexe.
-Travor.- eu o chacoalho pelos ombros. Ele resmunga novamente, mas dessa vez seus olhos se abrem um pouco.-Preciso falar com você.
-Eu to sonhando?- ele balbucia e seus olhos se fecham de novo.
-Você não está sonhando, idiota.- tento não rir de seu estado. O chacoalho novamente.
-Abby?- ele percebe que sou eu, quando finalmente abre os olhos. Seus braços me puxam para um abraço e não consigo me afastar, mesmo ele estando caindo de bêbado. Demoro algum tempo para relacionar tudo que está acontecendo e seus braços me apertam com mais força.- Me abraça, por favor.
-Você está caindo de bêbado.- subo em seu colo e enrolo meus braços em seu pescoço, o abraçando com força.-Nós precisamos conversar.
-Não briga comigo.- sua voz sai enrolada.- Eu não suporto mais ficar longe de você.- eu me afasto, para olhar em seus olhos. Não acredito que essas palavras saíram de sua boca. Quero beija-lo, mas seus olhos se fecharam de novo.
-Vou te levar para cama e amanhã nós conversamos.- ele obviamente não escuta, já que pegou no sono novamente.
Me levanto de seu colo com muito custo e escuto ele reclamar levemente, antes de seu corpo cair no sofá. Levanto suas pernas com um pouco de dificuldade e caminho até o pequeno grupo que ainda estão sentados perto da piscina.
-Oi. Eu sou a Abby.- me apresento e a conversa entre eles é cessada. Não reconheço nenhum rosto, além do da menina de cabelos coloridos que vi fazendo uma tatuagem na minha festa de aniversário, então percebo que o cara ao seu lado é o tatuador.-Vocês devem ser os amigos de Travor, de Livônia.
-Sim.- o tatuador se levanta. Ele é alto e muito magro.-Travor nos convidou para vir aqui, espero que não se importe.- seu jeito educado não condiz com sua postura. Acabo sorrindo.
-Claro que não! É legal finalmente conhecer vocês.- sorrio para todos eles e a menina que vi dormindo no colo de Travor da uma risadinha, mas ignoro.
-Nós já estamos indo.- a menina baixinha de cabelos coloridos se levanta e as outras duas pessoas também.- Passamos a tarde usando sua piscina. Foi da hora.
-Podem vir quando quiserem.- falo apenas para ser gentil. Um silêncio se estende sobre nós e acabo segurando as mãos umas nas outras.
-Bom, estamos indo.- a garota de cabelos vermelhos fala e dirijo meu olhar a ela.- Trevor já dormiu, ainda bem.
-Se vocês quiserem, podem dormir aqui.- não sei se é uma boa ideia, mas eles são amigos de Travor e essa é sua casa também.- Está tarde para pegar estrada essa hora.
-Relaxa, a Tracy não bebeu e já estou quase sóbrio.- um menino mais baixo, com a cabeça raspada e uma tatto que me parece muito com a fórmula química do THC, fala e vejo um piercing brilhar em sua língua.
-Eu levo vocês até a porta, então.- não protesto e eles me seguem até a entrada.
Reparo em caixas de pizza, jogada nas lixeiras e pelo menos eles comeram alguma coisa. Os deixo na porta e eles se despendem, antes de caminharem até seus carros. Aceno da porta e eles acenam de volta.
-Cuida dele, ein.- a voz esganiçada da menina de cabelo vermelho parece zombar de mim. Em um impulso, acabo levantando a mão e lhe mostrando o dedo do meio. Me arrependo instantaneamente e abaixo a mão. Por sorte, eles caem em uma longa gargalhada e eu acabo rindo ao fechar a porta.

Desejo ImprudenteOnde histórias criam vida. Descubra agora