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Quando saio da sala sinto que finalmente consigo respirar. Resolvo não passar o intervalo com meus amigos, porque sei que Trevor vai estar com eles, prefiro evitar ele até o final da aula, na verdade prefiro evitar ele até o dia da minha morte.
As aulas da manhã terminam mais rápido do que eu gostaria e ainda não me sinto pronta. Depois da conversa no final da aula de química, ainda tive mais duas aulas com ele, mas o evitei e sentei o mais longe que consegui. Agora não tem como evitar. Hoje é a primeira vez na vida que eu sinto que gostaria de ser líder de torcida e ficar até mais tarde no colégio.
Sigo andando pelo pátio praticamente vazio e aperto meu casaco contra o corpo ao sentir um vento gelado que me faz ter calafrios. Da distância onde estou, consigo ver Trevor encostado no meu carro fumando um cigarro como no dia anterior, mas por hoje estar mais frio suas bochechas estão mais vermelhas e sua boca parece mais avermelhada que o de costume-não que eu repare com frequência- não consigo deixar de pensar como seria o gosto da sua boca se por acaso eu resolvesse mandar minha sanidade pro espaço e o implorasse para me beijar. Será que seus lábios são tão macios quanto parecem?
-Tá olhando o que?- Trevor fala, tentando esconder o sorrisinho divertido e quando me dou conta estou praticamente na frente dele. Viro o rosto depressa e sinto minhas bochechas esquentarem, quando tomo coragem para olhá-lo de novo seu sorriso não está mais lá e ele está me olhando com a testa ligeiramente franzida, como se estivesse tentando entender algo. Dou a volta no carro e entro, ligo o aquecedor assim que me sento e esfrego as mãos uma na outra, ele entra logo atrás.
-Então, vai me ajudar ou não?- ele está com o braço apoiado no vidro e olha para mim quando pergunta.
-Eu não sei como te ajudar. Não sei nem do que você está falando- tento desconversar e faço a minha melhor cara de inocente.
-Chega de mentiras, Abby. Eu sei o que é um carro de corrida.- ele aponta para o painel do meu carro com o dedo indicador.- E esses botões de nitro? Aposto que não são para você chegar mais rápido nas liquidações do shopping.- ele não consegue segurar o riso ao fazer a piada idiota e eu bufo.
-Okay, Trevor. Você tem razão. É um carro de corrida, mas o que tem de mais? Eu só gosto de carros velozes, não quer dizer que eu faça algo por dinheiro.- falo calmamente enquanto aumento o volume do rádio.
-Você não corre por dinheiro?- ele pergunta com as sobrancelhas arqueadas e eu maneio a cabeça em negação para confirmar que não corro.- Então, você não vai ligar se eu abrir seu porta-luvas, né?- sua mão toca o porta-luvas que está a sua frente e meu estômago gela.
-Você não tem o direito de mexer nas minhas coisas!- grito e empurro sua mão para longe.- Não é da sua conta o que eu faço ou não. Você quer dinheiro? De quanto você precisa? Eu te empresto se você parar de infernizar a minha vida.- esbravejo tudo de uma vez e quando percebo já estou de joelhos encima do meu banco com o rosto a pouco centímetros do dele. Sinto seu hálito bater no meu rosto e consigo sentir o cheiro de menta do chiclete que ele esta mascando, por um momento posso jurar que Trevor está olhando para meus lábios, então resolvo usar isso a meu favor.
-O que você quer, Trev?- falo baixo. Aproximo meu rosto do dele e passo minha mão em sua nuca. Talvez isso me de uma vantagem. Acho que posso tirar algo disso se ameaçar contar para todos que ele tentou ficar com a irmã postiça. Sei que isso é errado, mas não posso dar o que ele quer de bandeja. Vejo ele respirar fundo e sussurro em seu ouvido.- Você pode me pedir qualquer coisa.
-Quero que você me coloque dentro da porra do esquema.- ele também fala sussurrando em meu ouvido e esfrega de leve a ponta do seu nariz na minha bochecha.
Sinto o toque leve fazendo meu corpo se arrepiar e a vontade de virar meu rosto um pouco para o lado e encostar nossos lábios é quase surreal, mas a vergonha por ter falhado com a minha tentativa idiota de ser sexy me faz voltar para meu banco. Cruzo os braços e tento parecer enraivecida, mas o constrangimento é muito maior. Não acredito que achei que conseguiria seduzir ele. Sou muito idiota.

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P. O. V Trevor

Não lembro da última vez que alguém me deixou duro tão rápido. Eu quase desisti. Quase implorei para ela deixar eu comer ela em qualquer lugar que ela quisesse. Seu cheiro é tão bom e quando ela se aproximou do meu rosto quase esqueci como se respira, como a porra de um virgem. Por sorte consegui reverter a situação e agora ela está parada na minha frente com cara de brava e os braços cruzados, mas tudo que eu consigo ver é seu rosto corado de vergonha enquanto ela tenta fingir que é durona.
-Escuta, eu só preciso que você me coloque em uma corrida, com o resto eu me viro.
- E se eu não quiser?- ela fala dando de ombros e virando para a janela como uma típica menina mimada.
-Se não quiser vou ter que contar pro seu pai que você tentou dar pra mim.- digo jogando sujo. Eu nunca contaria pro pai dela e eu sei que ela provavelmente não daria pra mim assim tão fácil, apesar de eu querer muito. Mas não posso fugir dos meus objetivos.
-O-q-ue?- sua voz sai em um gritinho estridente e me controlo para não cair na gargalhada.- Eu não tentei dar pra você porra nenhuma.- Agora sim eu vejo fúria nos seus olhos.
-Olha, eu não me importo se você queria ou não. Até porque você não é a primeira nesse colégio que quis fazer isso. Eu só quero que você me leve na corrida com a porcaria de um carro.
-Tá. Chega. Eu vou te ajudar, porra.-ela liga o carro e saímos do estacionamento da escola.- Vou levar você em uma corrida e depois disso nunca mais eu quero que você olhe na minha cara!
Abby dirige pela cidade com rapidez e maestria, preciso admitir que ela dirige muito bem. Depois de pelo menos vinte minutos com o carro em completo silêncio, a não ser pelo som do motor e o rádio tocando músicas aleatória eu finalmente resolvo perguntar para onde estamos indo, mas ela simplesmente ignora e vira uma esquina entrando na área marginalizada da cidade. Depois de outros dez minutos com ela virando esquinas pelo bairro periférico que eu nunca ouvi falar, ela estaciona na frente de uma oficina.
-O que você veio fazer aqui?- pergunto curioso. Eu realmente subestimo de mais essa garota. Ela desliga o carro e eu saio logo atrás.
-Se você vai correr, precisa de um carro. Vou te emprestar um meu, mas se você bater quem vai pagar os danos é você.
Só pode ser brincadeira. Abby com certeza é um baú cheio de merda dentro. Como que ela tem um carro escondido em uma área periférica da cidade? Essa garota tem uma vida dupla.
Assim que entro na oficina atrás de Abby, percebo que o lugar é muito melhor por dentro do que parece ser por fora. Por fora só parece um barracão velho, mas por dentro é completamente diferente, varias peças e rodas que custam bem mais do que a mesada que Abby ganha do pai, deve ser por isso que ela corre, porque não consegue manter as peças do carro só com a mesada.
-Ei, Ab. Deu alguma coisa errada com o nitro de ontem?- um cara que não aparenta ter mais que trinta anos pergunta a ela, mas ela sorri e nega com a cabeça. Não me apresenta o cara.
-Entao, Kanye. Eu preciso do Skyline. Ele já está com as peças que eu pedi para por nele ou você não colocou ainda?
-Já está tudo pronto. Achei que você tinha se esquecido dele, já ia pegar para mim.- ele ri e finalmente se levanta para me cumprimentar.-Quem é você?- pergunta me olhando com desconfiança. Posso ver que ele é forte, mas bem mais baixo que eu.
-Me chamo Trevor.- estico a mão para cumprimentá-lo e ele retribui o aperto.
- Você vai seguir os passos da sua nova irmã e vai correr também? Eu vou te falar garoto, essa menina é uma fera, não lembro nem qual foi a última vez que ela perdeu uma corrida.
-Não precisa falar sobre isso, Kanye. Eu só quero mostrar o carro para ele e ir embora.

O cara olha para Abby, confirma com a cabeça e não diz mais nada. O descontentamento dela é nítido em sua voz. Eles me levam até a parte de trás da oficina onde tem uma garagem improvisada feita de madeira. Tem um carro coberto por uma lona e ele se aproxima para tirar. Abby está parada ao meu lado com uma puta cara arrogante e minha única vontade é chacoalhar ela até ela me dizer como conseguiu um carro desses.
-Isso é a porra de um Nissan Skyline? Puta merda! Eu não acredito nisso. Como você conseguiu?- chego perto do carro e Kanye abre o capô do carro.- Meu Deus. Acho que vou desmaiar.- brinco ao analisar o motor. É um VR38 modelo 2007 com 6 cilindros. Eu não sei se abraço o carro ou a Abby.-Maninha, você só me surpreende.- não consigo esconder o sorriso que vai de orelha a orelha.- Eu to no céu.
-Eu sei, mas não se empolga. Eu não vou te dar ele, só vou emprestar para você correr e você não vai levar lá pra casa, a gente vem buscar no dia da corrida.
-Puta merda, você é incrível!-estou tão eufórico que quando me dou conta já estou com os braços ao redor dela levantando-a do chão, pareço uma criança que acabou de ganhar um doce. Ouço sua risada e sinto seus braços ao redor do meu pescoço e por um momento isso parece mais que um abraço de agradecimento. Então, resolvo colocá-la no chão de novo, mas ela não tira seus braços do meu pescoço e eu me pego controlando a vontade de passar as mãos em seu rosto macio. Ela é tão bonita e seu olhar poderia me deixar em transe por horas. Ouço o barulho da porta do carro sendo fechada e nos afastamos rapidamente com uma  sensação estranha e um peso no ar, eu diria que é frustração.
-O carro só precisa de nitro e está pronto, para quando vocês precisam?- Kanye pergunta ao sair de dentro do carro. O meu mundo parece que girou devagar por um bom tempo e o cara nem percebeu. Sorrio por isso.
-Coloca o nitro e deixa pronto. Provavelmente eu ligo avisando que venho buscar até semana que vem.

O caminho para casa é tenso e demorado. Não conversamos sobre nada, mas da para sentir a tensão do ar. Eu não sei onde estava com a cabeça para encostar nela desse jeito. Eu não tenho nenhum tipo de sentimento em relação a ela, a não ser pela vontade de transar com ela até ela chorar e dizer que não aguenta mais, mas isso não é sentimento.
Quando ela estaciona em frente à casa desce do carro eu desço atrás, mas vamos por caminhos diferentes. Já passa das seis e não vejo minha mãe nem Desmond desde o café da manhã. Eu realmente vi seu pai hoje cedo, mas blefei sobre ter dito onde a Abby foi ontem à noite, quando ele perguntou eu só disse que não sabia.

A hora do jantar chega rapidamente, todos estão na mesa e Desmond conversa amenidades com a minha mãe. Abby mau levantou a cabeça desde que sentou na mesa. Jantou rapidamente e voltou para o quarto. Não suporto mais ficar nessa casa sem nada para fazer. Tudo que eu tenho feito é ir para aula, provocar a Abby e ficar na sala de jogos do último andar, preciso de alguma agitação. Pelo menos vai ter uma festa depois de amanhã, então, vou me distrair, quem sabe comer alguém. Volto para meu quarto e vejo algumas mensagens de Megan no meu celular, mas nem me preocupo em ler. Depois de mais de duas horas tentando assistir algo que preste na tv do meu quarto, finalmente tomo coragem para levantar e ir na cozinha procurar algo para comer.
Ao chegar na cozinha me surpreendo ao ver Abby sentada na ilha comendo um pote de sorvete. Ela parece ainda mais nova com o cabelo amarrado e uma calça de pijama larga. Eu poderia rir da cara dela e dizer o quanto essa roupa está horrível se não fosse pela blusa curta mostrando boa parte de sua barriga bronzeada. Passo por ela e vou até a geladeira, ela levanta o olhar do celular, mas volta a mexer quando vê que sou eu. O fato dela ser tão indiferente a mim me irrita em um ponto quase sobre-humano. Preciso achar uma forma de incomoda-la. Pego uma colher na gaveta e pego uma enorme colherada sem nem pedir. Ela só me olha e coloca o pote ao seu lado, como se não se importasse de eu estar comendo seu sorvete sem pedir.
-Suas meias são horríveis.- seguro o riso quando vejo seus pés apoiados no banco. Suas meias são pretas e tem abelhas amarelas espalhadas. Ela olha pros próprios pés e depois para mim, da de ombros e volta a mexer no celular. Tenho que encontrar achar outra forma de irritá-la.-Meu Deus, Abby. Quantos anos você tem?- seguro a barra de seu pijama enquanto dou risada.
-Será que você poderia não encostar em mim?- ela finalmente tira os olhos do celular e me encara. Seus olhos parecem mais escuros e seus cílios fazem sombra nas bochechas pálidas na luz.
-Por quê? Você fica nervosa quando eu encosto em você, gata?- digo isso na intenção de deixá-la com vergonha, mas traio a mim mesmo quando coloco a mão por baixo de sua calça e subo até a panturrilha. Percebo que ela está trancando a respiração e sinto sua perna se arrepiando, uma sensação de confiança corre pelo meu corpo ao perceber que ela sente tanta vontade quanto eu.
-Você já ouviu falar em limites,Trevor? - ela grita ao pular da bancada.- Você me pediu ajuda e eu ajudei. Agora, não precisa mais falar comigo, Okay? E será que você pode parar de achar que está em algum filme pornô e por uma blusa para andar pela casa? Ninguém é obrigado a te ver quase pelado por aí!- ela termina de dar seu showzinho e sai da cozinha batendo os pés.

Desejo ImprudenteOnde histórias criam vida. Descubra agora