O resto da viagem é feita em silêncio. Mal me mexo no banco gelado de seu carro. Me sinto constrangida e pequena, como quando tinha dez anos e me pegaram colocando um chocolate do mercado no bolso do casaco. Realmente, minha índole é uma merda. Não consigo dormir durante todo o caminho, mas finjo boa parte dele. Quando finalmente vejo a rua conhecida da minha casa, suspiro de alívio.
Travor estaciona meu carro ao lado do carro do meu pai e eu salto da grande range rover.
-Vou tomar um banho.- meu pai comunica para nós dois. Mantemos a distância um do outro e não sei como vai ser nossa interação daqui pra frente.- Quero os dois no meu escritório em vinte minutos.
Meu pai se afasta e tudo que resta sou eu e Trevor na garagem escura. Entramos juntos, mas ele não me diz uma única palavra e eu não sei como puxar assunto. Acabo resmungando que preciso de um banho, mas não sei se ele escutou.
Subo até meu quarto e pego um par de roupas confortáveis. A água do chuveiro cai gelada como neve em meu corpo, mas não mudo a temperatura. Sinto como se devesse me castigar.
Ontem Trevor disse que me amava e eu senti que estava sendo sincero, mas agora não sei se posso contar com isso. Faltam poucas semanas para o fim das aulas e não recebi nenhuma carta de aprovação de qualquer universidade.
Ando lentamente até o escritório do meu pai. A casa está escura e cogito a ideia de Cindy estar parada ao lado de meu pai, prontos para decidirem nosso futuro. Ao abrir a porta, vejo somente sua figura imponente, atrás da mesa fria de mármore claro. Tudo é tão impessoal e imaculado aqui dentro. Entrei poucas vezes em seu escritório durante toda a minha vida. Encontro Trevor sentado em uma cadeira estofada em tom de bege claro, com os apoios de braço em prata. Ele olha para mim e reparo que tem uma carta em suas mãos. Seu rosto parece rígido e demoro um instante para reparar nos óculos de grau que ele está usando. A armação preta e quadrada, com detalhes em chumbo da uma aparência diferente a ele.
-Desde quando você usa óculos?- me aproximo da mesa e Trevor parece envergonhado, quando arruma a armação no rosto.
-Fui ao oftalmologista alguns dias atrás.- ele me olha nos olhos e finalmente consigo respirar de verdade.- Preciso usar óculos.- ergo as sobrancelhas, surpresa e ele se apressa em dizer.- Mas não o tempo todo. Só para perto.
-E por que você só está usando agora?- esqueço que meu pai está bem na nossa frente, analisando nossa conversa. Depois disso, ele com certeza acha que nosso envolvimento é superficial.
-Não queria que você me achasse nerd demais para você.- suas bochechas coram quando ele diz isso e sorrio de verdade pela primeira vez no dia.
-Bom, você é o nerd mais atraente que já vi.- ele sorri para mim e suas covinhas afundam no rosto. Paro com o contato visual ao ouvir meu pai coçar a garganta.
-Não sei lidar com essa dinâmica entre vocês.- ele admite e passa as mãos pelo rosto em um gesto de cansaço.- A um dia atrás vocês supostamente se odiavam.
-Por que nos chamou aqui?- me sento na cadeira em sua frente e não me sinto confortável para prolongar o assunto com meu pai.
-Cindy não sabe sobre nada que aconteceu.- ele joga seus cabelos úmidos do banho, pra trás e se acomoda melhor na cadeira.- Ela teve que viajar a trabalho. Mas vai chegar hoje, para contar a novidade.- olho para Trevor tentando encontrar respostas, mas ele mantém a cabeça baixa e segura o papel em sua mão, com força.
-Que novidade?- por algum motivo, começo a sentir raiva.
-Trevor passou na universidade.- olho para ele, mas não tenho resposta. Nem sequer um sorriso de felicidade.-Cindy iria contar esta noite.- aproximo minha mão do braço de Trevor, mas meu pai continua.- Como você não recebeu nem uma carta.- seu tom de voz é acusatório.- Comprei uma passagem para você passar um tempo na casa da sua tia em Mônaco.
-O que?- me levanto da cadeira com tanta rapidez que ela cai atrás de mim.- Não quero me mudar!
-A essa altura, você não tem querer!- meu pai mantém a postura e Trevor divide seu olhar entre eu e Desmond.- Você viaja amanhã, pela manhã.
-Eu não vou, pai.- bato o pé no chão e repreendo minha atitude infantil.- Ainda faltam duas semanas para acabarem as aulas. Eu vou entrar em alguma faculdade.
-Fique em Mônaco por um tempo.- ele usa o polegar e o indicador para apertar a ponta do próprio nariz.- Depois você volta e começa alguma faculdade.
-Você não vai dizer nada, Trevor?- explodo ao olhar para ele.
-Acho que vai ser melhor assim, Abby.- ele desvia seu olhar do meu e não parece a mesma pessoa destemida por quem me apaixonei.
Este Trevor é frio e distante. Seus olhos, geralmente tão expressivos, não transmitem nada. Olho para os dois homens que mais amei na vida e me sinto traída, apunhalada. Não sei como cheguei tão rápido até a porta, mas só meu dou conta, quando estou dentro do meu quarto.
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Desejo Imprudente
RomanceAbby Maquenzi teve a sorte de nascer em uma boa família, se relacionar com amigos incríveis e apoio de seu pai para tudo que quisesse. Mesmo assim, sua paixão por adrenalina, faz com que ela esconda segredos das pessoas ao seu redor. Tudo está abso...