Acordei atrasada. Inspirações. Digamos que eu lotei meu bloco de notas com ideias que eu nunca vou escrever, mas isso tomou minha noite inteira. Quando acordei, meu pai já estava batendo na porta do quarto perguntando se eu queria carona e a baba da minha boca ainda nem tinha sido limpa. Sim, perdi a carona. E também precisei me arrumar em um tempo recorde. Correr em um tempo recorde. Quando cruzo o portão, já estou ofegante demais pra pensar em qualquer coisa, tipo o caminho para minha sala. E o corredor já está vazio, o pátio também.
Só que até aí tudo bem. Tudo bem.
Se não fosse aula de novo da professora nova. E se com os olhos semicerrados, ela não tivesse apontado para bem longe da sala — sinalizando a detenção.
Sim, aquela salinha lá de novo.
E dessa vez, nem ouso me contrapor. Eu só suspiro e vou, sem pensar muito. Sinceramente, qual é a lógica deles de castigarem fazendo os alunos não terem aula? Sério. Não estou falando que é castigo estudar, não sou exagerada... mas convenhamos que às vezes é chato. E tipo, não faz sentido. Eu nem consigo formular nada porque simplesmente não faz sentido impedir o aluno de assistir a aula, principalmente por besteirinhas como essa. Perdeu o início da aula? Problema dele.
Espero que eu esteja sozinha dessa vez.
Claro que não.
No canto da sala, de fones de ouvidos e expressão concentrada, lá está Maia. E aí... meu rosto queima. Lembrando dos acertos bem concentrados... aliás, sua expressão é igualzinha. Mas assim como lembro da cena dos acertos, também lembro do rebote. E a queda.
Ok, sente-se sem fazer barulho. Passo por passo. Ela deve estar com o fone de ouvido no máximo.
Dou um passo a frente, me apoiando entre as cadeiras. Até aí tudo bem. Já parou pra pensar que o "até aí tudo bem" sempre é seguido de algo nada bem? Ao me apoiar nas carteiras, não notei que uma estava sem um dos pés e a derrubei. Não contente fiz isso em cadeia porque perdi o equilíbrio junto.
Então sim, eu fiquei de joelhos. De olhos fechados. Torcendo para uma divindade aparecer e me tirar daqui. Alô, Goblin. Eu assisti os 16 episódios quatro vezes, dá pra me ajudar aqui?
— Pipa.
Ai Meu Deus.
O barulho de cada cadeira voltando ao seu lugar enquanto eu continuo uma pra nada. E depois disso, escondendo o rosto, eu vejo sua mão estendida.
— Tá tudo bem, besta.
Eu aceito, nervosa. E de relance, eu olho para os braços. Jesus Cristo, que pouca vergonha!
— A mesma professora?
— Sim. Nem contestei dessa vez — explico alisando o braço. — Desculpa ter te atrapalhado.
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Manual para Garotas (que gostam de garotas)
Ficção AdolescentePipa escreve histórias sáficas. Ela não é uma escritora famosa, tão pouco profissional e é segredo de estado. Não que precise fazer muito além de ficar com bico fechado, claro. Enquanto sua terapeuta contesta a falta de experiências reais e sua mãe...