Foi uma cantada? Meu cérebro está fritando.
Claro que não foi uma cantada, Paloma. Claro que não.
Às vezes penso que escrever me fez ficar no mundo da lua. E é por isso que acreditei que fosse uma cantada quando claramente foi algo gentil para tirar meu nervosismo. Pelo menos, meu primo está bem e as coisas se resolveram pela padaria. E depois de implorar um pouco, meu pai conseguiu uma lista de coisas que eu possivelmente faria. Tentei ser o mais genérica possível. Juro. Não botei nada do tipo "aprender a jogar hóquei na neve".
Mas também não é certeza que vá realmente achar alguma aula extracurricular que me interessa nessa cidade. E nas próximas está fora de cogitação — as estradas são muito perigosas.
Sentados na mesa de jantar, meu pai comenta a confusão do trabalho. Ele tem as mangas da camisa arregaçadas e o garfo em uma das mãos. Vez ou outra, minha mãe dá um sermão como se os colegas de trabalho do meu pai também estivesse em casa. O ronronar e o corpo felpudo fez ou outra passa pelas minhas pernas.
— Na escolinha de futebol só tinham crianças — mamãe comenta. — Acho que não é uma boa ideia. Você vai se sentir deslocada.
— Certo.
— Mas... a dona Lúcia ali da frente me contou que a Renata dá aulas de espanhol. E você colocou espanhol nas opções, né? O que acha?
Não sei quem é Lúcia. Não sei quem é Renata. Ainda sim, sorrio como se esperasse algo novo.
— Pode ser.
— Espanhol é uma língua bem charmosa, ein?
— É — sorrio amarelo.
Não queria tanto pesar meus pais com isso. Queria que eles me deixassem à deriva. Sei lá, só pensasse que isso é coisa de adolescente. Seria uma boa ideia. Uma ótima ideia. Agora tudo o que espero é uma dessas situações dando errado.
— Então amanhã cedo falo com ela, que tal?
— Vai ser ótimo. Ela dá aula em uma escola?
— Onde ela mora, no casarão da rua do sino. Lá deve ter um bom espaço pra isso — papai chuta, limpando a boca com o guardanapo. — Se não der certo isso, a gente pode tentar outra coisa. Não se preocupe, querida. Iremos ajudar uma coisa bem interessante pra você.
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Manual para Garotas (que gostam de garotas)
Genç KurguPipa escreve histórias sáficas. Ela não é uma escritora famosa, tão pouco profissional e é segredo de estado. Não que precise fazer muito além de ficar com bico fechado, claro. Enquanto sua terapeuta contesta a falta de experiências reais e sua mãe...