EU DEVERIA TER PREVISTO que isso aconteceria. É claro que meu pai e seu humor de tiozão nas reuniões de família traria o momento mais constrangedor de todos. Não, ele não é vendedor de pamonha, mas comprou recentemente um megafone. Laura observa o carro azul escuro estacionar, encerrando qualquer tipo de assunto. E eu só quero me enfiar em um buraco e ignorar o quão ruim foi a noite, mas assim que entro no carro papai está tão sorridente e animado para saber o que aconteceu que preciso encostar a cabeça no banco e fingir pelo menos um pouco.
E mentir.
Não sou do tipo que vai em festas. Não sei porque fui nessa. Não me sinto à vontade e definitivamente não é um lugar pra mim. Mas é claro que eu pensei que... bem, ela sabia que não era um ambiente confortável para mim e mesmo assim implorou para que eu fosse. É claro que eu não esperava um beijo ou qualquer reciprocidade (certo, eu esperava), mas pelo menos pensei que nos divertiriamos juntas. Que eu não ficaria como uma personagem em uma cena que não combina nada com ela e só está ali, fazendo uma ponta.
Devo ter parecido patética. Nunca mais piso em uma festa na minha vida.
— Você vai acabar a deixando constrangida — mamãe reclama no café da manhã, logo após papai contar sua última peripécia.
Ele está trazendo seu leite quente para ser despejado no café e passa por mim, fazendo cafuné no meu cabelo.
— Meu objetivo é só demonstrar meu amor para minha filhota. Duvido que alguém tenha um pai tão legal quanto eu — sorri, se sentando.
É, impossível.
— Além disso, foi uma brincadeirinha entre mim e ela. Duvido que alguém tenha escutado alguma coisa, com aquela barulheira. A única que ouviu foi aquela amiga estilosa, que aliás sinto que tem bom gosto e você deveria convidá-la para ver a coleção de vinil do pai — comenta e eu sorrio, sem graça.
Independente do estilo ou não, é de praxe que papai mostre pra todo mundo a coleção de discos de vinil de bandas de rock, independente de que país elas sejam. Sério, ele tem um disco de uma banda japonesa que eu nunca ouvi falar da minha vida e aposto como ele é o único fã fora do Japão — se é que ele realmente escuta e não foi mais uma das coisas que ele encontrou no sebo e "estava barato demais, seria crime não comprar!".
— Não se preocupe, meu bem. Vou dar um sermão no seu pai para evitar as brincadeiras.
— Ela me ama — se defende enquanto eu me levanto, levando a minha louça suja.
Bem, ele não está errado.
Em cima do balcão, onde fica os celulares na hora das refeições básicas (regra da mamãe), meu celular vibra várias vezes com mensagens novas subindo na barra de notificação.
[Laura: ei, chegou bem?]
[Laura: eu... fui uma babaca, desculpa.]
[Laura: meu celular descarregou e acabei dormindo antes dele ligar, por isso a demora.]
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Manual para Garotas (que gostam de garotas)
Ficção AdolescentePipa escreve histórias sáficas. Ela não é uma escritora famosa, tão pouco profissional e é segredo de estado. Não que precise fazer muito além de ficar com bico fechado, claro. Enquanto sua terapeuta contesta a falta de experiências reais e sua mãe...