Às 9 da manhã, estamos no meio de um pátio de um colégio enorme. É o festival anual geek de Hortênsia. Tem muita gente aqui. Mais do que eu esperava por uma cidade que também não fica longe da interioridade de Adhara. Pessoas fantasiadas, caminhando de lá pra casa. Passamos por panfletos de competição de cosplayers. Pra ser sincera, só não sou extremamente básica aqui pelo cabelo rosa. Estou de avental verde-água e calça jeans e t-shirt de praxe. Por outro lado, mesmo que use jeans também, o de Maia é bem menos justo e tem desenhos de chamas por toda parte. Pelo estilo não muito uniforme, chuto que foi feito em casa. A camiseta de The Witcher — que eu conheço pela série da Netflix, mas ela usa a do jogo — e um boné vermelho do MST.
Acho que a família dela é muito envolvida com movimentos políticos. Algo que a minha está longe de ser.
Sinceramente, não sei como chamar a atenção para vender isso. Será que eu devo agir como o Félix em Amor à Vida? O que é plausível? Gritar com os vendedores da feira? Esperar de boa vontade?
— Uau. É a Ellie? — Maia diz, animada.
Eu olho pra garota. De pele negra e um estilo meio apocalíptico, mas nem tanto. É roupa comum, mas ela carrega um arco.
— Até que enfim alguém percebeu! — mostra o braço. — Fiz até a tatuagem com canetão.
— Porra, tá foda, ein? Vem, vou te tietar — Ela tira o celular do bolso e a garota se anima.
Deve ter catorze anos, por aí. As duas tiram selfie e eu acho graça da cena.
— Valeu! Minha primeira foto como cosplayer! Você pode me mandar no meu insta? É arroba meucommel. O primeiro é com U, o último com L.
— Tá bem — diz e a menina se afasta.
— É de um jogo — explica. — Ela é lésbica. A menina não, não conheço. A personagem. Talvez você já tenha ouvido falar, mas o jogo é muito bom.
— Tem cenas dela com garotas?
— Até ela de casal cuidando de um bebê! Você precisa ver. Hum... você se interessaria em roteirizar jogos?
— Só se for um The Sims cheios de frufru.
Maia ri.
— Tenho um pouco de medo de zumbis e essas coisas.
— Bem, você pode se juntar a um time de roteiristas e fazer só a parte humanizada das coisas. Preciso de uma forma de conhecer o que você conta sem ter que, argh, pegar em livros.
— É, bonita. E você vai ser atriz como sem ler roteiros?
— Shhhhh. É diferente. Dá emoção saber o fim daquilo. Que você vai ter que se expressar, dar vida. Não tô dizendo que livro é irrelevante, só não funciona pra mim — explica. — Moça, tu quer hot dog?
Ela nega e se afasta.
— Ler um livro só por ler me dá uma inércia... sei lá. Mas ao mesmo tempo você parece tão genial que deve ser interessante.
— Escrevo romances bobos. Gosto de slow burn, digamos que um relacionamento lento e que demora a acontecer. Não gosto de tragédias, não escrevo tragédias. E não gosto de vilões. Minha parte favorita é que... os problemas sejam as pessoas. Resoluções de si mesmos. Atritos, mas... sei lá. Pra mim é tão filme norte-americano sempre ter uma megera infernizando a vida dos outros. Eu gosto de filmes, mas sendo sincera, me instiga a querer saber todas as coisas que não couberam em uma hora e cinquenta.
— E isso não é bom? Significa que o filme fez seu papel. Um filme que não te deixa pensativa ou não te esboça nenhuma sensação não é legal. Ele precisa te dar intensidade em algum sentimento, nunca te deixar neutra. Alguns filmes servem para divertir, outros para pensar.
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Manual para Garotas (que gostam de garotas)
Novela JuvenilPipa escreve histórias sáficas. Ela não é uma escritora famosa, tão pouco profissional e é segredo de estado. Não que precise fazer muito além de ficar com bico fechado, claro. Enquanto sua terapeuta contesta a falta de experiências reais e sua mãe...