15 - Manual para Bissexuais

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Não consegui fingir que nada aconteceu

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Não consegui fingir que nada aconteceu.

Pelo menos, pra mim. É claro que eu esperei as lágrimas acabarem, tempo o suficiente para levar um esporro amigável da professora. Eu também não olhei na cara da Maia pelo resto da viagem. E quando Fernanda me perguntou o que tinha acontecido, eu menti dizendo que havia me emocionado um pouquinho demais com a história toda da fundadora — que pra ser sincera, eu nem li ou prestei atenção. Tinha absoluta certeza que havia sido minha professora de espanhol que havia mandado aquela estranha falar comigo, mas ignorei isso e não disse nem um "obrigada".

Quando cheguei em casa, tarde da noite, meus pais assopraram línguas de sogra bem acordados para comemorar minha primeira viagem bem-sucedida — era isso que o mini bolo dizia. Então eu segurei mais um pouco, comemorei com meus pais e inventei uma visita técnica onde eu não me tranquei no sótão de um museu e tive uma crise de choro barra ansiedade. Mas assim que isso tudo acabou, eu chorei.

Chorei copiosamente. Até meus olhos arderem, a cabeça doer e o nariz ficar irritado. Fiquei abraçada no meu travesseiro, sentada no chão do quarto e observando Rigel me observar como se eu estivesse maluca. Eu peguei o computador, o liguei e recorri para o único resquício que eu tinha da Mica. Uma dezena de fotos. Dezena, sem plural.

Eu me sentia feia demais para aparecer em fotos e isso me fez tirar poucas ao longo do tempo. E o pouco que eu tinha eram tiradas pelos meus pais ou pelos dela em momentos de distração. Uma só é nossa, em um protótipo de selfie, com a câmera digital do papai. Tudo o que me restou. É claro que agora eu me arrependia, mas já era tarde demais.

A mais recente, tirada nas fotos anual, estava no mural da escola que eu evitava olhar.

E em meio ao choro, eu me culpava por ainda sentir isso. Sentir tão forte a ponto do meu peito doer. Sentir tão forte que parecia que havia sido ontem, que eu vi tudo acontecer. Ontem que eu havia me despedido com um abraço apertado (era coisa dela, me esmagar) e pedido que ela me trouxesse um dos chocolates chiques lá do sul.

Não sei quando dormi, mas a desculpa de cansaço pela viagem foi aceita pelos meus pais e eu pude não sair do quarto o dia inteiro. Tinha dado um passo grande, segundo eles, podia descansar.

Mal sabiam que eu talvez tivesse andado para trás.

Se eu não estava muito afim de ir a uma festa, agora muito menos. Mas aí... Fernanda insistiu e insistiu para que eu fosse e meu cérebro pensou que talvez fosse uma boa ideia. Mesmo que eu tenha absoluta certeza que não é um lugar bom pra eu frequentar, tenho absoluta certeza que qualquer coisa que eu sinta em relação a isso vai sufocar todos meus pensamentos frágeis. É por isso que estou deixando minha mãe opinar novamente sobre minha roupa em frente ao espelho.

E tirando os comentários desagradáveis que ela solta por costume, consegue respeitar um pouco meu estilo. Mas apesar de tudo, eu fico com um jeans e um all star. A regata preta simboliza um pouco o que está tentando invadir minha mente de novo, mas é só esforço mínimo para não ter um contraste tão grande com meu cabelo cor-de-rosa.

Manual para Garotas (que gostam de garotas)Onde histórias criam vida. Descubra agora