28 - Manual para Excepcionalidade

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— Acho melhor eu trocar por outra roupa.

Tiro a calça jeans e é a terceira vez que faço isso. Troco por uma rasgada no joelho, vou para uma azul mais claro... passo por outra mais solta e de boca de sino. Estou totalmente frustrada por algo que deveria ser bastante simples. É só... vestir uma roupa qualquer. Uma calça jeans e uma t-shirt. Não faz muita diferença.

Além disso, é... eu só estou indo fazer companhia para a Gaia e a irmã dela no hospital. Nada demais.

Abro o guarda-roupa novamente. Segunda gaveta. Tento procurar algo no emaranhado dos jeans que pareça interessante. Puxo algo cheio de corações bordados. Fecho os olhos. Se ele tem que ser usado algum dia, a hora é agora.

Se eu já tive coragem de usar um vestido, um short é o de menos.

Troco novamente se me sentir feia. Só... isso. Repito como se minha mente não fosse bombardear qualquer julgamento — que às vezes pode nem acontecer — quando eu colocá-lo.

Estou dividida entre "ponha a merda da calça, você não vai fazer nada diferente" e "está calor e... seria bom usar coisas diferentes de vez em quando". É que... se elas me servem e eu as tenho, por que nunca as uso?

Visto o short e ignoro qualquer pensamento exagerado. Antes que desista, pego o protetor antiatrito e impeço que problemas surjam e eu decrete isso como um erro. Nos pés, também faço uma pequena mudança: os Chuck Taylors padrões dão lugar a um all star de cano baixo. Minhas meias são altas, mas brancas. Ainda sim, é novidade o destaque elas tem na minha pele e em pernas que dificilmente conseguem ver a luz do dia lá fora.

— Sanduíche na mochila. Leva uma garrafinha de suco também! — Minha mãe diz, enfiando tudo. — Não, três sanduíches e três garrafinhas. Pra Gaia e pra irmã dela. Será que é o suficiente?

— Mãe — suspiro.

— Qualquer coisa, compra algo lá pra vocês comerem. Esse sanduíche tá tão fraquinho...

— É só uma tarde, tá tudo bem. A gente vai no cinema toda terça, é quase a mesma coisa.

— Mas o hospital suga a energia da gente! Se a gente se diverte, nem vê a fome. Se não... é sempre bom estar preparada — comenta, fechando minha mochila.

— Valeu, mãe. Preciso ir, se não atraso elas e meu pai — me explico.

Ela sorri e aperta minha bochecha.

— Sei que é bobo e que não tá 100% bem, mas não sabe o quão eu fico orgulhosa de te ver saindo. Sabe, meu bem... sinto que as coisas vão estar mais suaves pra você agora. É bom estar rodeado de pessoas que gostam de você.

— Amo você, mãe.

Mas sinto que as coisas não estão suaves quando preenchem minha mente. A única mudança é que agora eu consigo deixá-las de lado por um tempo e ficar bem. Mas... ainda não parece bom a preocupação o tempo inteiro de que uma hora ou outra minha mente vai ser bombardeada.

Parece que... independente do quão boa a situação esteja, não é o suficiente porque ainda tem uma parte de mim esperando o pior.

— É um pouco exagerado da minha parte pensar em separar já a camisa do Vasco pra Gaia?

Levanto o rosto, meu pai está totalmente esperançoso. Quando a edição LGBT do uniforme do Vasco foi lançado, papai fez questão de comprar pra família inteira. Não só isso, ele também fez questão de guardar uma de cada cor para alguém — lê-se: uma namorada da Pipa.

Só que... Gaia é flamenguista. Quer dizer, não que ela seja minha namorada. Claro que não. A gente só está... só se beijamos. Algumas vezes. Nada demais. É só... não sei. Se a Fernanda não é minha namorada por me beijar, Gaia também não é.

Manual para Garotas (que gostam de garotas)Onde histórias criam vida. Descubra agora