Eu dormi a viagem inteira. No fundo do ônibus, ao lado de um garoto que nunca troquei uma só palavra e de pessoas barulhentas. Mudei de decisão em relação a vir e ainda estou com medo, mas estou firme. É três da tarde quando chegamos na pousada. Amontoados na entrada, decidindo o mais difícil: divisão de quartos. Nada sai da minha boca, nenhuma atitude. Encostada na parede, observando todos discutirem enquanto alguém da organização vai montando a lista.
Gaia veio. De muletas, sempre próximo da irmã e com fones de ouvido. Obviamente, Rafaela é sua dupla. Não nos falamos mais desde o seu aniversário e bem... acho que ficou por isso.
E aqui estou eu, respeitando seu espaço. Não que a gente tenha conversado, mas está nas entrelinhas e não faria bem pra ela continuar a atormentando.
Passei meu ensino médio inteiro evitando trabalhos em grupos, o receio de sobrar. Mas aqui estou eu: em algo que dependo de alguém me escolher ou terei que levantar a mão pra dizer que estou sozinha.
Droga.
Fernanda me fita. No fim, acho que nunca gostou de mim mesmo. Não sei se esperava isso e ainda que tivesse resolvido algo, ainda dá um nó no meu estômago saber que tudo aquilo foi pela emoção em si do que realmente gostar de mim.
Na verdade, às vezes acho que ela espera que eu volte atrás.
— Você tá sozinha, então... — ela se aproxima e eu respiro fundo.
Não.
— Ela tá comigo.
Uma garota coloca o braço sobre os ombros. Concordo sem pensar nem duas vezes, observando Fernanda revirar os olhos e se afastar.
Só que eu não faço a mínima ideia de quem disse isso, virando o rosto para descobrir.
Ela faz joinha, sorrindo pra mim com os dentes tortos. A mão com uma luva arrastão. O cabelo longo liso e preto. Piercings e a pele escura. Não é da minha turma, tenho certeza.
— Isabella, mas pode me chamar de "salva-enrascada" — diz, tirando o braço e levantando a mão. — Eu e a Paloma aqui, ó.
Se afasta para buscar a chave, chacoalhando em minha direção.
— Vem, vamos guardar essas coisas.
Assinto, mas assim que nos afastamos ela vira o rosto pra mim.
— Não te conheço, mas você deve ser gente finíssima. E tava com uma cara meio "prefiro ser atropelada por um trem do que dividir o quarto com aquela garota" — finge um tosse. — Ouvi boatos...
— Acho que você também não tinha alguém pra dividir quarto.
— Minha mãe me obrigou a vir. Ela acha que sou emo e triste. Tive que vir — suspira. — Mas acontece, pelo menos ela deve tá feliz.
Sorrio.
— E minha intuição disse "ela é a melhor opção de companheira de quarto" — completa, abrindo a porta. — Perfeito. Dali da sacada eu já posso tirar foto da praia.
A organização dela é colocar a mochila de lado e se aproximar da sacada — que está mais para uma varanda. Observo o quarto. Simples, mas limpo. As paredes rústicas. As duas camas de solteiro e uma única cômoda entre elas. A porta do banheiro está próxima de mim.
Um bom lugar para o qual provavelmente vou passar os próximos dias enfurnada.
— Até que o lugar é bonito mesmo — puxa a porta para o lado. — Acho que pegamos uma vista privilegiada.
Me aproximo. A praia visível, sentindo a brisa do mar.
Nunca fui tão longe de Adhara e o sentimento é... reconfortante.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Manual para Garotas (que gostam de garotas)
Ficção AdolescentePipa escreve histórias sáficas. Ela não é uma escritora famosa, tão pouco profissional e é segredo de estado. Não que precise fazer muito além de ficar com bico fechado, claro. Enquanto sua terapeuta contesta a falta de experiências reais e sua mãe...