Quando acordei, estava diferente. Bem diferente da última que bebi exageradamente e acordei em uma casa que não era minha. Tomei um comprimido pra enxaqueca, tomei um bom banho e só mudei de pijama. Fiquei deitada na cama, tomei chá e comi biscoitos que saíram do forno. Estava no meu próprio mundo fora da realidade: pijama de corações, pantufas do Sansão que eu nunca uso (elas sujam facilmente) e uma playlist no volume alto para espantar meus problemas.
A dor da cabeça pela ressaca? Não ligo. Com uma música pop estourando meus tímpanos, não dá pra pensar em nada. Ou pelo menos, não penso em várias coisas que me atormentam até hoje. Sei que vão voltar, sempre voltam. Mas no momento me permito pensar em algo que não é menos importante, mas é algo mais fácil de responder.
Pedir desculpas pra alguém.
Por um lado, quero me manter no meu mundo. Não resolver nenhum problema. Nada. Mas é questão de necessidade.
E isso é mais alto do que qualquer caixa de som.
Se eu deixar amontoar meus problemas, vai ser pior.
— Onde você vai vestida assim, meu amor? — papai pergunta.
— Vou na casa da Maia, já volto — aviso, mostrando meu celular na mão.
— De pantufas?
— Se eu demorar, meu cérebro vai listar os problemas disso e vou desistir. Não posso recuar, preciso ser responsável com os meus erros.
Desço as escadas da padaria e escuto o tec-tec fofo das pantufas. É confortável demais. Mas sei que esse Sansão vai realmente virar encardido nos próximos minutos. As pessoas que estão comprando seu pão matinal já me olham esquisito, mas a situação é mais estranha na rua. Eu apresso o passo, tento não cair nesse percurso e percebo que é um erro o horário só quando estou na porta do casarão. Bato palmas. Baixinho, receoso e tenho certeza que ninguém vai ouvir — mas ainda é melhor do que ser incômodo.
Tudo bem, é incômodo estar aqui nesse horário.
— Paloma? Oi, meu amor, o que está fazendo aqui? — O sotaque cubano de Renata.
Ela olha pra minha roupa. Estranha, mas não diz.
— Será que eu poderia entrar pra falar com a...
— Claro, entra. Deve estar no quarto, se for quem eu estou pensando — avisa, me dando espaço. — Como está sendo as aulas de espanhol? Ela é uma ótima professora, o único problema é que ela tem uma dificuldade e acha que nunca é o bastante. Se pressiona tanto que isso se torna um problema. É bom que ela dê aulas, a ajuda a melhorar de forma saudável.
Sorrio. Nossas aulas não são lá a melhor forma disso.
— Pode subir — avisa e eu assinto, indo.
Bato na porta do quarto. Não precisa bater de novo, ela vem de prontidão. Parece que demora só o tempo de sair do lugar até a porta. Me olha de cima a baixo, o rosto pega rubor ao ver que estou de short e camisola na casa dela. As pantufas que sobreviveram ao caminho.
— Paloma.
— Maia.
Ela fecha os olhos.
— Será que a gente pode conversar? Acho que fui uma babaca com você.
Suspira.
— Claro, entra.
Fecha a porta em seguida, se encostando nela. A mágoa no olhar, o tipo de expressão de uma decepção que você já esperava.
— Eu não gosto de falar sobre isso, mas não seria justo com você.
Mordo os lábios. É difícil falar com minha psicóloga porque tenho receio que ela desista de mim por não superar, então é pior ainda quando é uma pessoa que não está sendo paga para me apoiar. E que pode me achar esquisita.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Manual para Garotas (que gostam de garotas)
Roman pour AdolescentsPipa escreve histórias sáficas. Ela não é uma escritora famosa, tão pouco profissional e é segredo de estado. Não que precise fazer muito além de ficar com bico fechado, claro. Enquanto sua terapeuta contesta a falta de experiências reais e sua mãe...