Pipa escreve histórias sáficas.
Ela não é uma escritora famosa, tão pouco profissional e é segredo de estado. Não que precise fazer muito além de ficar com bico fechado, claro. Enquanto sua terapeuta contesta a falta de experiências reais e sua mãe...
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Se eu tivesse uma amiga, provavelmente estaria contando a novidade do dia.
Sério, eu estou muito muito excitada para contar para alguém o que aconteceu. A garota nova. Quase mandei mensagem para a psicóloga, mas desisti. E sabe, não é algo pra se contar aos pais — que tipo de pessoa eu seria se fizesse isso? Sério, eu posso estar na camada abaixo do fundo do poço, tudo tem limite.
Então como forma de desabafo, junto ao capítulo novo, eu digo em palavras curtas o que aconteceu como se alguém estivesse ali para meu ouvir. E sim, isso é o bastante. O bastante até a próxima sessão de terapia, pelo menos. É claro que eu preferia alguém pra alimentar minha cabeça dizendo coisas bobas como "será que vem aí?" e "amiga, parece que talvez finalmente venha algo bom na sua vida".
Porque convenhamos minha vida não é nada. Acho que nem se encaixa em um drama mexicano, mesmo com todos os acontecimentos ruins. Assim como não se encaixa em qualquer outra coisa que tenha reviravolta ou momentos felizes. E apesar de tudo, não cheguei no patamar de filmes onde só tragédias acontecem aos montes e você chora do começo ao fim — pra isso eu também preciso morrer em algum momento dramático.
— Ei, mocinha — mamãe me grita antes mesmo que eu desça as escadas para a padaria.
A mochila escorrega do braço, quase caindo. Não estou atrasada, muito pelo contrário. Estou animada com possibilidades — ainda que ela não tenha enviado nenhuma mensagem para mim. E não posso deixar ninguém perceber nenhuma fagulha.
— Falei com dona Renata. Ela tá com as turmas cheias, mas... a filha dela se comprometeu a te dar aula. — Arqueio as sobrancelhas. — Pediu pra você passar lá depois da aula para conversarem sobre, pode ser?
— Claro. Claro! Eu passo lá depois da aula.
— Se tudo der certo, me avisa o valor, viu? Espero que fique animada!
— Tá bem.
Dessa vez, consigo carona com meu pai. E isso me faz chegar antes do sino bater, colocando a mochila em cima da mesa e sentando na carteira. Meus dedos batucam, mas não de ansiedade — é costume quando não tenho o que fazer e estou ao redor de muita gente. A falta que um grupo de amizade faz.
