Passado

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- Quando minha mãe engravidou de mim, foi uma gestação de risco, mas felizmente correu tudo bem - Mari começou e já sentiu suas mãos darem uma leve tremida, era um assunto muito complicado - Ela não podia mais ter filhos por conta de um problema que ela teve, quando eu tinha 7 anos, minha mãe engravidou novamente, de um menininho, era o sonho de todos nós, do meu pai para jogar futebol com ele, da minha mãe por estar tendo outro outro filho e meu, que era meu sonho ter um irmãozinho.

- Eu me lembro disso, a família toda ficou extremamente feliz, foi uma tremenda festa - Dan falou e Mari sentiu a tristeza que ela estava empurrando para baixo todo esse tempo vindo atoa, frases e gritos giravam em sua mente, seus olhos imediatamente ficaram úmidos e ela sentiu o coração que a mesma havia colado com fita adesiva se quebrando e sangrando novamente, ela respirou fundo.

- Os meses que se seguiram foram maravilhosos, um milagre havia sido realizado. Era como se o céu tivesse descido até nós - Mari inspirou fundo novamente, tentando conter as lágrimas que caiam sobre seu rosto e tentando manter a voz firme, mas ela não conseguia, era como se milhares de facas estivessem sendo cravadas novamente em seu coração - Foi quando no 7 mês de gravidez ela entrou em trabalho de parto, o bebe nasceu, mas ele estava muito fraco e definitivamente não estava preparado, ele faleceu após duas semanas na UTI - a imagem de seu irmãozinho na encubadora passou pela mente da mulher e ela chorou mais, sabendo que nunca o veria crescer, entrar na faculdade, casar... Ela chorou sabendo que todos os planos e sonhos para ele não existiam mais - Nosso sonho tinha acabado. Ele nunca iria jogar futebol com meu pai, minha mãe nunca leria uma história para ele dormir, e eu nunca o confortaria em uma noite de tempestades. Nós nunca o veríamos se casar, se formar e constituir uma família - Eu era só uma criança, tinha 7 anos, mas sentia que era minha obrigação cuidar deles - ela suspirou e empurrou as lágrimas de volta, a única outra pessoa que sabia disso tudo era sua psicóloga - Eu tentei cuidar deles, fiz tudo pro meu pai que um menininho faria, eu jogava futebol com ele, assistia jogo, jogava sinuca, enfim, mas nós dois sabíamos que não era a mesma coisa - ela fez uma pausa - Minha mãe me falou uma vez, que ele estava nas estrelas, eu e meus pais passávamos horas toda noite olhando para o céu. Às vezes eu chegava até mesmo a conversar com as estrelas imaginando que ele estaria me ouvindo. Eu via minha mãe todas as noites sentada na Janela olhando para o céu. Via meu pai chorar todas as noites no sofá, quando ele percebia enxugava as lágrimas e falava "olha princesinha, os olhos do papai estavam suando, como foi o seu dia?" eu sempre falava. Eu ainda não entendia exatamente o que estava acontecendo e as vezes perguntava quando meu irmãozinho voltaria para casa. Eu parei de perguntar quando percebi que toda vez que o fazia minha mãe chorava desesperada e meu pai saia de perto, para chorar escondido imagino. - eu respirei fundo, já não conseguia mais falar, minha garganta doía e as lágrimas caiam descontroladamente, era como se aquilo tivesse me transportado ao passado novamente e eu me lembrei do pequeno caixão branco, agora eu entendia o porque todo mundo estava chorando.

- Olha Mari, esse é obviamente um assunto dolorido e que ainda não cicatrizou, não precisa me contar se não estiver preparada. - o Hacker falou com um olhar preocupado e Dan a encarou, o primo sabia que ela nunca tinha falado aquilo para ninguém.

- Eu quero contar, meu bem - a mulher suspirou e tentou se controlar, mesmo sem conseguir, ela sentia seu coração sangrar e Jake apertou a mão dela por cima da mesa - Eu tentei ajudar minha mãe também, mas não consegui. Ela desenvolveu depressão, até os meus 13 anos ela tentou lutar contra isso, eu tive que cuidar de tudo, aprendi a cozinhar, limpava a casa e eu e meu pai éramos muito unidos e fizemos tudo que estava ao nosso alcance, Jake. Todas as noites eu ia no quarto dela contar como tinha sido meu dia, eu lia para ela, assistia TV junto com ela, mas ela nunca me respondeu, eu passava horas falando olhando para ela, horas falando sozinha enquanto a mesma ficava sentada na cadeira olhando para a Janela. Eu juro que tentamos - a mulher estava soluçando ao falar - Mas quando eu fiz 13 anos, ela parou de lutar, o corpo dela parecia uma casca vazia, passava o dia inteiro na cama, no quarto escuro olhando para a Janela, eu dava banho nela, a dava comida na boca na esperança dela melhorar. Mas era como se eu realmente tivesse olhando para um corpo vazio, sem nada dentro 

- Eu acredito que já tenha dado pra perceber, mas ela não conseguiu vencer a depressão - outro soluço, mais lágrimas, a mulher sentiu sua garganta se fechar e tentou respirar, ela não conseguia se acalmar - Certa noite quando eu tinha 15 anos, eu acordei com uma sensação ruim, achei que já era de manhã, mas quando olhei pela janela ainda estava de noite, eu me virei para o lado e voltei a dormir - a mulher fez outra pausa - Na manhã seguinte eu acordei com um grito do meu pai, vinha do quarto dela, fazia dois dias que ele não voltava para a casa por conta do trabalho. Eu me dirigi para lá e quando entrei vi a pior cena da minha vida, o chão do quarto estava coberto com cartelas de remédios vazias, meu pai agarrava o corpo da minha mãe já sem vida no chão e gritava e chorava. Eu entrei em choque. Quando ele me viu na porta meu coração já estava em pedaços mas ele se quebrou muito mais com as próximas palavras dele "assassina" ele falou enquanto me puxava pelo braço, ele me levou a um quarto - ela respirou fundo e sentiu a dor nas cicatrizes ao lembrar - Ele me chicoteou, foram 5 chicotadas, minhas costas estavam em carne viva, mas não era isso que mais doía, o que mais doía era o fato de a pessoa que eu chamava de papai e herói, que deveria me proteger estava fazendo isso. Depois disso, ele me enfiou em uma espécie de armário enquanto gritava repetidas vezes "assassina, assassina, se você não tivesse nascido nada disso estaria acontecendo" ele trancou a porta do armário, eu bati na porta e pedia pra ele me tirar, sentia que estava sufocando, o armário era muito pequeno, eu mal conseguia me mexer, mas as palavras dele ainda ecoava na minha cabeça - o rosto da mulher estava banhado em lágrima ao relembrar toda a dor, e sentir tudo novamente - eu não conseguia entender, eu e ele fomos as forças um do outro durante anos, eu era a garotinha do papai, Jake. Eu juro que era. E de repente a garotinha do papai estava trancada em um armário com as costas em carne viva e a certeza de que a culpa da morte da mãe era dela.

Jake saiu do lugar onde estava na mesa e foi até ela e a abraçou, Dan fez o mesmo e eles estavam em um abraço triplo agora e Mari se sentiu protegida pelos dois

- Ele me deixou ali, sem água, sem comida por 4 dias, eu não pude ir no enterro da minha própria mãe, Jake. Depois disso ele sumiu no mundo e eu cortei toda e qualquer relação com minha família, eu achava que eles também me culpavam pela morte dela, quer dizer, naquela noite, se eu tivesse ido ao quarto dela e não voltado a dormir, talvez ela ainda estivesse aqui hoje. Esse é o motivo pelo qual eu não durmo bem, é como se meu cérebro estivesse sempre me avisando que algo ruim vai acontecer quando eu estou dormindo. O motivo também pelo qual eu tenho claustrofobia, sempre que entro em um lugar apertado lembro daquele armário e de todas as coisas que aconteceram naquele dia. Foi aí que eu me matriculei em lutas e jurei que nunca mais ficaria vulnerável daquele jeito novamente- Eles se separaram do abraço e Jake pegou o rosto da mulher em suas mãos enquanto Dan se afastava e virava um gole de Vodka. Mari percebeu que Dan também estava chorando.

-Escuta meu amor, nada disso é sua culpa - ele olhou no fundo dos olhos dela - Você era só uma criança. Eu agradeço por me contar - ela assentiu e Dan ofereceu a garrafa de vodka para a mesma que a pegou e deu um grande gole. - você é tão forte estrelinha. - ele acariciou o rosto dela que fechou os olhos e deitou em sua mão.

- Como você sabe? - Dan perguntou a Jake

- Sabe o que? - o Hacker estava confuso e Mari permaneceu em silencio

- Estrelinha, era como a mãe dela a chamava - Dan falou e Jake negou com a cabeça

- Eu não fazia ideia, posso parar de te chamar assim se te incomoda, Mari - Ele olhou sério para a mulher.

- Não, eu gosto, me lembra os momentos bons que eu tive com ela - Ela suspirou e Jake deixou um beijo em sua testa

-Priminha, eu quero fazer qualquer coisa hoje, menos ficar sóbrio.

- Eu também Dan, eu também. - ela foi até a geladeira e abriu uma garrafa de Wisky.

As Estrelas Em Seus OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora