Capítulo 9 - Agora não dá mais

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Kara


Eu costumava acreditar em contos de fadas. Costumava acreditar que seria feliz. Costumava ver tudo a minha volta de uma maneira colorida, o problema é que tudo em volta era tão colorido que então nem queria olhar pra mim mesma e ver o preto e branco que se formava. Não deixei de acreditar na felicidade, apenas a vejo de uma forma diferente agora. Não está mais na presença da Lena, mas na sua ausência. Triste dizer isso. Triste admitir que às vezes ficamos mais felizes quando a pessoa que mais amamos não está presente. Quando ela não está não preciso me preocupar em ficar olhando para ela, em ficar tentando me aproximar o tempo todo, em ficar tentando não me preocupar com os homens a sua volta.

Depois que ela saiu, eu chorei. Mas foi um choro diferente. Não sei explicar exatamente porque, mas senti, bem lá no fundo de mim, certa leveza ao constatar que isso precisava acabar. Percebi que as coisas não poderiam mais continuar do jeito que estavam.

Certa vez ouvi uma mulher num filme dizer que em relacionamentos precisamos nos sentir "mais bem" do que nos sentimos mal.

Eu estava me sentindo mal, e o mal só crescia e perdia o controle. Até aquele momento isso nunca tinha acontecido. Ela me fazia muito "mais bem" do que qualquer outra coisa. Agora não dá mais. Cheguei num ponto que não tem volta, preciso achar é o ponto final.

Até então isso estava bem claro na minha cabeça, precisava de um ponto final, não sabia exatamente qual seria esse ponto, mas ele teria de existir.

Como eu a amo! E como eu deveria não ama-la. Eu sempre fiz de tudo para agradá-la. A cada segundo que estávamos juntas eu procurava uma maneira de fazê-la sorrir e se sentir da melhor maneira possível. A verdade é que eu babava por ela o tempo inteiro e era muito difícil disfarçar todos os meus sentimentos.

Nos seus aniversários eu sempre queria fazer alguma coisa muito especial. Várias vezes combinava alguma coisa com seus pais, alguma festa surpresa, ou comprava algum presente que eu sabia que ela realmente queria. Um ano, quando estávamos na faculdade, eu mandei um buquê de flores lindo, para entregarem na sala de aula dela. Sorri ao lembrar como ela veio falar comigo depois. Ficou radiante e disse que ninguém tinha feito algo assim por ela antes.

Não conseguia mesmo resistir a ela. E mesmo que eu acabe querendo me afastar é tão difícil. Ela me ligou de novo e tentou me convencer a jantar com ela, assistir um filme. Por mais que eu negasse, ela não desistiu. Acabei aceitando e tentando esquecer por alguns momentos que eu estava tão triste.

Aluguei uma comédia romântica, sabia que a Lena não gostava muito, mas eu precisava de algo feliz para me animar e assistir aos filmes cheios de ação que ela gostava tanto não iam ajudar no meu humor.

Assim que cheguei, ela veio me atender, mas o problema foi o fato dela estar enrolada numa toalha. Estava absolutamente maravilhosa. Desconcertei-me por uns segundos e me arrependi amargamente por ter ido.

Não foi a primeira vez que uma coisa assim aconteceu. Aliás, ela já até se trocou na minha frente uma vez. Deus sabe o esforço que fiz para não olha-la e para não passar por aquilo novamente. Eu sempre evitava ao máximo qualquer contato assim com ela, sempre inventava a desculpa que precisava ir ao banheiro, ligar para alguém... Às vezes até chegava atrasada de propósito para não ter que passar por isso. Não queria acabar me aproveitando dessas situações.

– Se você não comer um prato bem cheio eu vou ficar extremamente sentida, viu? – disse brincando.

Ela estava muito feliz, animada e não tocou no assunto do casamento. Admito que sua alegria foi me contagiando.

– Fica tranquila que eu estou morta de fome. Comeria qualquer coisa – disse brincando.

– Não fica aí desmerecendo minha comida não – disse me dando um tapinha de brincadeira. - Kara, o que você acha de almoçar na casa dos meus pais comigo sexta? Eles têm perguntado muito por você.

Sorri ao pensar nos seus pais. Eu amava tanto todos ali. Eram como uma segunda família para mim. Pensei bem antes de responder.

– Claro... Estou com muita saudade deles também! – disse pensando que me afastar talvez não fosse a melhor opção.

Depois do jantar fomos assistir ao filme. Era muito engraçado olhar para a Lena e ver seus olhinhos quase fechando. Ela quase apagou várias e várias vezes até que uma hora não conseguiu se segurar. Deitou no meu ombro e dormiu serenamente. O filme acabou e eu não consegui me mover. Estava tão bom ali, com ela pertinho de mim. Engraçado que depois de oito anos eu não tenha me acostumado com o contato da pele dela junto a minha. Mesmo a Lena sendo tão carinhosa comigo e sempre buscando muito contato físico, não conseguia impedir meu coração de bater mais rápido.

Depois de um tempo admirando aquele ser tão maravilhoso ali, tão perto de mim, tentei me levantar com cuidado.

– Kara, para de ser chata! Deita aí que esse é o melhor travesseiro que já arrumei até hoje! – resmungou sem nem abrir os olhos.

– Eu estou indo embora. O filme já acabou, e você tá dormindo faz tempo. Não quero te atrapalhar.

– E desde quando você me atrapalha? Deita logo aí, dorme aqui vai. Faz tanto tempo que você não faz isso! – não consegui evitar em rir da carinha brava tão linda que ela fez.

– Nem faz tanto tempo assim. Eu preciso mesmo ir! – insisti.

– Eu gostava quando éramos mais novas, Kara. Você sempre dormia aqui. Agora está aí, cheia de frescuras. Por favor, vai! Se você dormir aqui, prometo que te faço um café amanhã antes de trabalharmos – olhou para mim e fez cara de pidona.

– Lena, a gente não tem mais 15 anos. Não tem porque eu ficar dormindo aqui feito uma adolescente.

– Só hoje vai? – fez outra carinha de pidona, mas dessa vez foi de propósito! Ela sabia como me convencer.

– Ai, ai. Impossível dizer não pra você, né? Tudo bem. Mas é só hoje mesmo. E amanhã eu quero meu café bem cedinho, viu?

Ela sorriu e me beijou. Eu deitei-me de volta e ela se agarrou em mim. Estremeci novamente e a abracei com todo o carinho que eu tinha. Precisava aproveitar esse momento, porque depois que ela se casasse não seria mais eu a dormir assim velando seu sono. Comecei a acariciar seus cabelos e ela gemeu baixinho, sorrindo. Eu não dormi. Nem por um segundo. Mas quer saber?

Naquele momento... eu estava em paz.

Amor Platônico - Adaptação KarlenaOnde histórias criam vida. Descubra agora